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    Tauno Laasik, 44 anos, prepara o peixe na cozinha comunitária em Tartu Miguel Madeira
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    Um peixe ao vapor com puré de batata e alho selvagem Miguel Madeira
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    No Restaurante Alexander, Padaste Manor, ilha de Muhu Miguel Madeira
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    No Restaurante F-hoone, em Talin Miguel Madeira
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    No Restaurante Ööbiku Miguel Madeira
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    No mercado na ilha de saaremaa Miguel Madeira
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    O luxo do Hotel Padaste Manor Miguel Madeira
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    Triin Ivandi, a guia no pântano de Marimetsa, em Haapsalu Miguel Madeira
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    A estrada que liga as ilhas Muhu e Saaremaa Miguel Madeira

A Estónia que se come

Por Joana Gorjão Henriques

Jantámos numa cozinha comunitária onde vimos o peixe a ser preparado antes de ir para o forno. Experimentámos pato curado no melhor restaurante da Estónia, almoçámos numa quinta onde o chef vai dar de comer aos porcos selvagens. O que é que tem a cozinha da Estónia se não tem uma estrela Michelin?

Esteve sob domínio dos suecos, alemães e russos, é um dos países da antiga União Soviética. Mas na cozinha moderna a marca mais visível é a nórdica. Gastronomicamente falando, vários chefs na Estónia colocam-se, assim, entre “a nova cozinha nórdica” — dão privilégio aos produtos locais e da época, evitando o que é de importação. É uma posição gastronómica, mas também política, como nos irão explicar mais à frente.

De Talin (a capital) a Parnu (no Sul), de Tartu (a Leste) à ilha Muhu, a comida na Estónia serve-se fresca. Peixe que vem do mar Báltico, galinha do campo que vem do terreno ali do lado, alho selvagem que foi colhido há meia hora e dá a cor verde ao puré de batata, o coelho caçado no bosque, o porco selvagem que está a ser alimentado no curral até ser servido bem quente um dia destes...

Ao nosso prato vieram parar coisas como batata-doce ou bochechas de porco, conjugados com dois ou três ingredientes e pouco mais, porque aqui a cozinha também fala linguagem minimal e simples.

Fazer da comida uma experiência está na moda, e na Estónia há várias opções para os foodies, mas restaurantes com estrelas Michelin é que ainda não. O que é que tem, então, a cozinha da Estónia, um país com mais de 1500 ilhas, apenas 1,3 milhões de habitantes, cobertura e acesso à Internet em todo o lado, e dos menos religiosos no mundo? E o que é que lhe falta para receber a mais cobiçada estrela do circuito gastronómico?

Do Báltico à Rússia

“A nossa cozinha tem influência das ilhas nórdicas, isso significa que nos concentramos no território do mar Báltico”, diz Martin Breuer, dono do hotel Padaste Manor, na ilha Muhu, e dos restaurantes de topo Alexander (que fica no hotel e ganha desde 2010 a medalha de melhor restaurante da Estónia) e Neh, em Talin.

Martin Breuer é um foodie e apreciador de luxos simples. Sabe de cozinha tanto quanto os chefs. Sentado na mesa de pequeno-almoço do Pädaste Manor (ver texto ao lado), numa manhã chuvosa com vista para o campo, explica-nos: “O Báltico é menos salgado do que o oceano. Não temos mariscos, crustáceos.”

Foi há cerca de uma década que o Alexander começou uma cozinha nórdica das ilhas, baseada no terroir. “Sendo uma das ilhas do Báltico, a ilha Muhu esteve sempre ligada em termos sociais, de imigração, de cultura, de comércio, à vida das ilhas vizinhas, não apenas estónias, mas também suecas, finlandesas e dinamarquesas”, explica. “Como gostamos de dar aos nossos convidados um sabor do lugar, faz mais sentido focarmo-nos nas ilhas nórdicas.” Aqui a Rússia não tem influência, acrescenta, como terá em Talin ou na zona Leste do país.

Este holandês a viver na Estónia há 20 anos confessa que uma das coisas que mais o encanta ali são as estações e gosta de as respeitar. Isso quer dizer, para si, que os ingredientes com que se cozinha no restaurante cabem em não mais de duas mesas, mas é justamente essa limitação que faz com que sejam mais criteriosos. “Não há nada verde a crescer no Inverno, talvez couve… Mas por isso é que é preciso fazer pickles, fermentar, secar, fumar, salgar — estas são técnicas de conservação da comida ao longo do ano. Nós usamos estas técnicas também como sabor.”

No Alexander, que fica na casa principal do hotel — uma sala de jantar com um lustre enorme no centro feito com garfos e outros materiais de cozinha e uma lareira mesmo ao lado — há muitos anos que se reconhece a importância de encurtar o mais possível o tempo que vai da colheita do produto à sua confecção, explica. “Conhecemos cada ingrediente da nossa cozinha, sabemos como foi plantado e como cresceu e quem está por trás dele.”

A filosofia é “virarmo-nos para o produtor, o pescador, o caçador”, continua. “Porque ser um bom chef não é celebrar-se a si próprio, não é sobre grandes egos. Um bom chef é sobre servir como um padre as coisas bonitas que a natureza nos dá e ter respeito pela sua origem.”

O chef tem, assim, que “respeitar os ingredientes, celebrar o agricultor que cultiva o trigo, o pescador que traz o peixe e o próprio peixe”. Um dos gozos da cozinha, diz, é a antecipação. “Lembrar o sabor de um morango, o quão bom é. Às vezes esquecemo-nos de que não podemos ter algumas coisas. Desejar alguma coisa é muito bonito.”

Ao jantar, Camilo Rosas, 23 anos, o sous-chef da Guatemala, vem servir pato curado com couve-rábano marinada, hortaliça da época e alho selvagem — a carne é tenra e o sabor prolonga-se e espalha-se pela boca. O coelho sem pele com espargos será menos consensual entre os que estão à mesa.

Qualquer um dos pratos tem poucos ingredientes. Como latino-americano, Camilo Rosas, que está sob orientação do chef Yves Le Lay, descreve as cozinhas nórdica e estónia modernas de forma praticamente igual. “A nova cozinha nórdica não precisa de muitos sabores”, diz. “Tentamos mantê-la saborosa mas simples.”

Por outro lado, a cozinha tradicional estónia, lembra Martin, que recorre a alimentos como o porco, a batata, a couve, é uma cozinha pesada “porque está ligada à vida do povo” e ao facto de existirem muitos agricultores que tinham uma vida dura no Inverno, que era longo, e de precisarem “de muitas calorias”.

Pille Petersoo, socióloga e autora de um blogue sobre comida, Nami Nami, costuma pensar na cozinha estónia como uma mistura de influências alemãs, nórdicas e russas, mas eis a especificidade da cozinha da Estónia segundo a sua perspectiva, dada por email: “A quantidade de comida selvagem que incluímos nas nossas dietas — cogumelos, frutos silvestres, grelos — é muito alta comparando com outros países europeus, o que a torna saborosa.”

Uma questão de negócio

Tõnis Siigur está na cozinha a cortar cebolas. Dividido em duas partes, o restaurante deste chef abriu há poucos meses em Talin, junto ao mar, e chama-se Noa. O espaço é afastado do centro histórico da cidade e, com uma decoração em tons claros e coloridos numa parte, entre o festivo e o moderno, é do género que poderíamos ver em qualquer grande metrópole ocidental mas com preços bem mais baixos (exemplo: o menu de degustação custa 60 euros…).   

Numa das alas fica a cozinha aberta para a sala. É o menu da noite que Tõnis Siigur começa a preparar de manhã, pelas nove. À sua frente há um tabuleiro de ostras que foram cozinhadas para fazer uma maionese: em vez do ovo usa-se a ostra. O resto é igual: óleo, vinagre, mostarda, um pouco de sal e um pouco de açúcar, depois tritura-se. “Faz-se isto passo a passo, junta-se o óleo devagar, não se pode misturar tudo de uma vez.” E para que serve a maionese? Para ser molhada na pele de porco frita, temperada com sal de trufa. O chef gosta de usar carne e marisco no mesmo prato.

Provámos ao almoço uma salada de filet de porco cozinhado muito lentamente, como o rosbife, e depois desfiado, misturado com pepino às tiras muito finas, rúcula, maionese de sementes de abóbora e caviar. E um peixe — lucioperca — que foi apenas cozido ao vapor, “mais nada”, acompanhado de puré de batata e alho selvagem que lhe dá a cor verde, temperado com molho de manteiga e vinho, e um pouco de caviar, mais uma pitada de azeite de ervas (e o alho selvagem não se encontra facilmente no Sul da Europa porque o clima é demasiado quente, diz-nos o chef).

Aos 39 anos, Tõnis Siigur tem já dois restaurantes em Talin (o outro chama-se Oko). Estudou cozinha sobretudo na Estónia, mas viajou muito pela Europa para aprender — nos últimos anos foi sobretudo aos países nórdicos, a França, à Holanda, à Alemanha.

A sua aposta é ter produtos biológicos nos pratos, numa média de três, e “todos têm que se conjugar muito bem”: algo que não é nada típico da Estónia, mas da cozinha nórdica sim. “Ao mesmo tempo usamos o estilo francês de cozinha.” Nada no seu menu é tipicamente estónio, o que é estónio são os produtos: o lucioperca, o alho selvagem…

Com seis pratos, o menu de degustação muda 50% todos os meses — semanalmente introduzem coisas novas. Tal como no Alexander, respeitar a época é algo muito importante. “Há duas coisas muito importantes na vida emocional dos seres humanos: o sexo e a comida”, diz o chef. “São duas coisas que fazem parte do gozo de viver.”

Comer numa quinta

Quando Ants Uustalu, 36 anos, abriu o seu restaurante Oobiku, em Junho do ano passado, não fazia ideia do sucesso que viria a ter. A ideia era ser um restaurante pop-up — efémero — com capacidade para 22 pessoas, mas em duas semanas esgotaram as reservas para os três meses em que estiveram abertos. Agora preparam uma sala para o Verão com 45 lugares. O factor atracção foi o campo, interpreta Ants Uustalu, premiado chef há 14 anos.

Chegamos a esta quinta que fica em Kuimetsa — a 50 minutos de carro de Talin — num dia chuvoso. A relva está molhada e a terra lamacenta. Tiramos os sapatos para entrar na cozinha e na sala de jantar. “Este jardim ainda não está pronto. No Norte precisamos de esperar mais duas ou três semanas [do que no Sul]. A meio de Junho estará tudo bonito”, diz Ants, que depois de almoço faz questão de nos mostrar os porcos selvagens. Lá vamos nós a fugir da lama.

Natural da ilha Saarema, ele comprou a casa onde serve refeições aos clientes há três anos. Parece-se, de facto, com a sala de estar de alguém. “A minha cozinha é feita com produtos locais, que se encontram na floresta, como caça, e vegetais que cultivamos”, explica, enquanto prepara a entrada — salada com queijo francês, beterraba assada e mais alguns verdes.

Depois segue-se caçarola de frango do campo cozido muito lentamente e que se irá desfazer na boca, com puré de batata-doce e rábano. “Gosto de cozinhar coisas simples, não gosto de misturar muitas coisas”, explica.

De sobremesa serviu uma bola de gelado com um sabor sui generis de leite e natas fumadas, misturados com ovos de pato, a acompanhar uma tarte de ruibarbo.

Aprender o básico

Na cozinha cheira a pão, mas quem o vai amassar somos nós. Tauno Laasik, 44 anos, professor, e Triinu Akkermann, 32 anos, guia turística, decidiram lançar este projecto de cozinha comunitária em Tartu porque perceberam que uma das coisas que os turistas mais procuram é comida. O melhor, por isso, é pegar no que é da Estónia, como o peixe, e ensinar a arranjar — e, claro, depois servi-lo cozinhado.

Ao centro da cozinha deles há uma mesa enorme e é lá que Tauno põe o peixe. Um golpe ao meio e começa. “Está a cortar de forma a que fique mais limpo e não dê um gosto tão amargo”, diz Triinu. Frita o fígado e as ovas da lucioperca com cebola, farinha, ovo e manteiga — uma especialidade.

Já nos serviram vinho, já nos deram pepino marinado (só sal e água durante dois dias, há quem junte vinagre), já nos deram lucioperca fumada em cima de um pão com manteiga. Agora enquanto o peixe vai ao forno ensinam-nos a fazer o pão escuro, tradicional da Estónia.

“Isto é uma cozinha comunitária, não é um restaurante. Significa que vêm pessoas de todo o lado e que as vamos ajudar a preparar o jantar”, diz Triinu, com um enorme sorriso. “Quando se anda pela cidade, em Tartu e em Talin, vai-se aos restaurantes e o que se vê é o peixe que vem de outros mares, de outros países, que é congelado e sabe-se lá por quantos meses. As batatas vêm de outros sítios, os pepinos também. Temos aqui na Estónia muito bons produtos e não precisamos dos outros países para nos darem peixe, carne, temos tudo. Podemos ter peixe fresco a 25km, mas o que fazer com ele? Essa é a questão, por isso começámos a ensinar as pessoas.”

Na Estónia a comida serve-se fresca. E porque é que não há restaurantes com uma estrela Michelin?

A organização não respondeu à nossa pergunta. Mas na Estónia deram-nos algumas explicações. Apesar de achar que há apenas uns quatro restaurantes estónios que a merecem, incluindo os dele, Martin Breuer critica a organização por dar prioridade a mercados maiores. “Adorávamos que viessem cá, mas eles têm interesses económicos diferentes”, diz o dono do Alexander.

Tõnis Siigur: “Há muitos anos que as pessoas perguntam isso. Não é por não termos bons restaurantes. É como o Japão, que há uns anos tinha zero estrelas. É uma questão de negócio.” Talvez daqui a uns anos apareça a primeira e outras se sigam, conclui.

Há ainda outros factores: durante muito tempo, por causa da ocupação soviética, a Estónia não teve uma cozinha própria — não era permitido desenvolvê-la, explica, por seu lado, Ants. A independência aconteceu há pouco tempo (em 1991), por isso “a cozinha da Estónia ainda é muito jovem, não se desenvolveu assim tanto”, justifica. “Agora que somos independentes a cozinha está a desenvolver-se. Espero que um dia consigamos.”

É verdade que a cultura da alta cozinha na Estónia sofreu com a ocupação soviética durante anos, analisa a socióloga Pille Petersoo. “Não é que os chefs não fizessem um bom trabalho, mas todo o sistema sobre quem podia e quem não podia ir a restaurantes era muito artificial. Não havia uma economia de mercado” — e isso reflectia-se na cultura gastronómica.

Porém, há influências positivas desse passado, continua: muitos dos pratos básicos do menu estónio são de países da ex-URSS, e muitos deles são “interessantes”. “Pensemos nos pratos da Geórgia e das montanhas do Cáucaso, que só recentemente captaram a atenção do público europeu e na verdade são bastante comuns aqui na Estónia desde meados do século XX.”

Quanto à vontade da cozinha moderna estónia pertencer à “nova cozinha nórdica”, não se trata apenas de geografia. “Faz parte da nossa luta para nos identificarmos e associarmos aos países nórdicos em vez de aos países da Europa de Leste, aos quais estivemos associados na era soviética”, considera. Daí esta associação não ser apenas uma questão de geografia ou de comida, é uma questão “política também”.

É preciso não esquecer outras razões, conclui: “A comida nórdica é altamente popular neste momento, quem é que não quer ficar associado a estes tipos cool?”

Restaurantes

Restaurante Alexander.  Tel.: +372 454 8800. www.padaste.ee
Restaurante Noa.  Tel.: +372 508 0589. www.noaresto.ee
Restaurante Ööbiku.  Tel.: +372 56 93 55 15. www.oobiku.ee
Cozinha comunitária de Tartu.  Contacto através de maitseelamuse.koda@gmail.com
(30 euros por pessoa, três pratos)

 

Hotel Padaste Manor, a simplicidade é o maior luxo

A Estónia tem mais de 1500 ilhas, a maioria desabitadas, minúsculas. Uma das três maiores, apesar de pequena, é a ilha Muhu, onde uma das actividades é a observação de pássaros. A Muhu fica entre duas ilhas, Saaremaa e Hiiumaa, e chega-se em cerca de meia hora a partir do continente, de Virtsu (é a duas horas de Talin e quatro de Riga).

Um dos lugares especiais desta ilha é o hotel de luxo Padaste Manor, com 24 quartos e capacidade máxima para 63 pessoas — o hotel organiza também sessões de caça. As origens da propriedade datam do século XIV e a casa principal ainda mantém alguma da estrutura original, apesar de o edifício ter sido ampliado no século XIX.

É uma casa senhorial em tons rosa, com dois andares, chão em tábua corrida, tapetes persa e decoração em tons ocre, entre o moderno e o rústico — tem depois mais duas zonas com quartos, o restaurante de Verão e uma “casa” privada. Em frente há o jardim e depois o mar. No spa, os cremes usados são preparados na hora, com leite de cabra, por exemplo.

É preciso vir com tempo para ir relaxando e deixando a paisagem entranhar-se, aproveitando os pequenos recantos desta propriedade: as cadeiras à beira da água, a “banheira” de madeira com água quente a céu aberto, o bosque em volta que se pode explorar de bicicleta.

Explica Martin Breuer que a filosofia é do “luxo simples”. Ele é holandês e tudo começou quando um dia um amigo estónio lhe telefonou a desafiar: “Lembras-te daquele sítio onde fomos a um piquenique? Está à venda.” E assim entrou no negócio num lugar que tinha visitado em 1992 e pelo qual tinha ficado fascinado, porque viu “a energia das pessoas e como havia este desejo de respirar, de ser parte da Europa, do mundo, de mudar as coisas e o país”. A propriedade estava em ruínas, mas Martin conhecia “a beleza, um silêncio incrível, sem poluição, as estrelas na horizontal — também crescem à nossa frente”.

Em 1996 o hotel abriu, depois de os sócios terem decidido que numa propriedade destas, numa ilha tão pequena, a “pegada” tinha que ser a menor possível, daí terem apostado no mercado pequeno mas caro. Eram quatro quartos, uma sauna e um pequeno restaurante. Hoje têm o Alexander, número um na Estónia há anos (ver texto ao lado). “Para nós a simplicidade é o maior luxo. Luxo não é sobre ouro, é sobre elementos pequenos, confortáveis e humanos. Significa que queremos ser parte do ambiente, ligarmo-nos à natureza e à cultura que nos rodeia. O nosso luxo está escondido. Somos pessoas bastante viajadas e os hóspedes também — têm entre 25 e 50 anos, viram bastante do mundo, e vêm aqui para uma experiência especial.”

E conclui: “Num mundo globalizado, que tem grandes coisas e onde nos tornamos cidadãos mundiais, as pessoas querem ter experiências genuínas. Nesse aspecto não gosto de turistas, mas adoro viajantes.”

Hotel Padaste Manor. Ilha Muhu 94716. Tel.:+372 4548800. www.padaste.ee

GUIA PRÁTICO

Talin

Com cerca de 430 mil habitantes, Talin é uma cidade que se percorre rapidamente. No coração há muralhas medievais e é isto que a capital da Estónia vende — a zona foi, de resto, classificada como Património da Humanidade pela UNESCO. É normal passearmos pelas ruas e sermos abordados por animadores vestidos à época. Na rua sente-se também o cheiro a amêndoas caramelizadas, cozinhadas à moda antiga.

Mas um pouco fora da zona turística, com os seus edifícios pintados de cores claras, há a zona de casas de madeira de Kalamaja, a “trazer o mar mais perto dos visitantes”, como lembra o turismo. Talin é também uma das capitais digitais do mundo: tem Internet em todo o lado.

A cidade tem ainda um enorme parque, o Kadriorg, ideal para correr, andar de bicicleta ou passear — com 70 hectares, começou a ser construído em 1718 sob ordens russas e é aqui que estão vários museus, como o KUMU ou o Kadriorg. No Verão, é de tentar assistir ao Festival da Canção no Song Festival Ground, onde cerca de 25 mil cantores ficam no gigante palco em escadinhas, e por volta de 100 mil pessoas assistem: só acontece de cinco em cinco anos e este ano é de 4 a 6 de Julho. Talin tem ainda uma cultura forte de restaurantes e cafés, por isso deixamos aqui algumas sugestões.

Onde comer

Leib ja Aed

As paredes são forradas com desenhos de legumes gigantes em cores castanhas e alaranjadas e verdes, o décor é em tons mate, com poucas coisas, e para a mesa vêm também pratos simples como bochechas de porco, acompanhadas de puré de batata “pintado” do verde do alho selvagem. Entra-se no Leib ja Aed por um pátio, com mesas cá fora, mas hoje, início de Maio, chove e está frio, de modo que ficamos no interior.

Janno Lepik, 33 anos, um dos donos do restaurante, explica que o conceito da sua cozinha é ter poucos ingredientes, mas comprados a produtores locais. “Fazemos comida muito simples”, diz, com estilo mais francês, ou seja, menos quantidade.

A escolha dos produtos locais permite ter o contacto com os agricultores, com as quintas, comprar produtos ecológicos e saudáveis. Mudam de menu três ou quatro vezes por ano, de acordo com as estações, portanto Janno Lepik não escolhe nenhum prato em particular para nos recomendar. O gelado de pão escuro e o leite-creme de pão escuro estão sempre na ementa. Há “licores” caseiros, de ruibarbo ou groselha.

www.leibresto.ee

F-Hoone

Localizado numa antiga fábrica, e aproveitando materiais recicláveis para a decoração, o restaurante F-Hoone podia ser em Nova Iorque ou em Lisboa. Com comida internacional, o espaço é amplo, luminoso, e o ambiente entre o jovem e familiar.

Telliskivi 60a.  Põhja-Talin, Talin, Harju maakond. Tel.: +372 6801114. fhoone@gmail.com

Boheem

O Boheem está dividido em salas como se fossem as divisões de uma casa e tem uma atmosfera acolhedora.

Kopli 18.  10412 Talin, Estonia. Tel.: +372 631 1928. info@boheem.ee. www.boheem.ee

Olde Hansa

O restaurante Olde Hansa, mais turístico e no centro histórico, serve comida medieval a meia-luz.

Vana Turg, 1. 10140 Talin. +372 627 9020. www.oldehansa.org

O que fazer

Museu do Hidroavião e Museu KGB

É uma das atracções de Talin e um dos lugares a que se pode ir com crianças. No Museu do Hidroavião consegue-se “escalar” o casco de um barco, descer para ver um submarino, experimentar guiar uma avioneta, pegar nos telecomandos de um barco. O espaço está dividido em três níveis: ar, superfície e debaixo de água. Entre as exposições temporárias e permanentes pode-se aprender sobre a história dos submarinos ou experimentar jogar com o código Morse.

Noutro local da cidade fica o Museu do KGB. É pouco mais do que dois antigos quartos do 23.º andar do Hotel Viru, construído nos anos 1970 durante o tempo de ocupação soviética para receber estrangeiros — e fingir que tudo era normal, como conta a guia, que nos diz ainda que isto era uma espécie de “um estado dentro de um estado”. O Viru tinha a sua própria pastelaria, lavandaria, lojas e muitas coisas a que mais ninguém tinha acesso no mundo lá fora, asseguradas por cerca de mil trabalhadores (hoje são uns 200).

Ao KGB estavam reservados vários espaços para controlar os hóspedes, que eram presenteados com escutas e vigias em cada andar — para não falar de pratos no restaurante que podiam chegar às mesas com microfones. Há dois “escritórios” preservados como foram encontrados quando a URSS caiu e a Estónia ganhou independência em 1991, e que têm desde fotografias a um telefone vermelho, fardas e documentos, máquinas de escrever e listas ou jornais com os obituários, praticamente iguais, de dois secretários gerais do Partido Comunista da URSS, Brejnev e Andropov.

Lennusadam/ Museu do Hidroavião. 6 Vesilennuki Street. Talin, 10 415. Tel.:+372 6 200 550. lennusadam.eu/en

Museu do KGB. Viru väljak 4. Tel.: +372 680 9300. www.viru.ee/en/museum-hotel-viru-and-the-kgb

Pântano de Marimetsa

Triin Ivandi é a nossa guia no pântano Marimetsa, em Haapsalu, Oeste da Estónia — e a caminho da Ilha Muhu se vierem de Talin. É única a experiência de estar a andar com os chamados sapatos de neve por cima da água — sim, entre 95 e 98% do pântano é água. Triin vai parando nas zonas em que os pés não se enterram na água e mostra as espécies vegetais — desde rosmaninho a bétula até a groselhas que crescem aqui. A origem da água é a chuva, explica, e a água não tem sal, pode-se até beber. A empresa organiza as excursões e fornece os sapatos e botas de borracha.

Tel.: +37255558755. www.360.ee

Onde dormir

Hotel Savoy
www.boutiquehotelestonia.com

Hotel Viru
www.sokoshotels.fi/ru

Tartu

A cerca de 2h30 da capital, Tartu é a cidade universitária por excelência — e a segunda maior do país. Dos 100 mil habitantes, cerca de 22 mil são estudantes, diz-nos a guia.

A Universidade de Tartu está nos 3% de topo das universidades mundiais e é a número um do Báltico, de acordo com o ranking do Times Higher Education — só aqui estudam 17 mil pessoas. A cidade, também das mais digitais da Estónia, tem outra atracção na praça central: a estátua de um par a beijar-se e abraçar-se debaixo de um chapéu.

Aqui há ainda o Centro de Ciência Ahhaa, onde se pode experimentar a sensação de flutuar dentro de um barco, de andar de bicicleta numa corda, sentir a pressão da água nas mãos ou “fazer” chover na terra. É outro dos locais aconselhável a crianças.

Centro de Ciência Ahhaa. Sadama 1, Tartu 51004. +372 745 6789. www.ahhaa.ee/en

Onde ficar

Hotel London
www.londonhotel.ee

Como ir

A TAP voa para Talin (operações desde 3 de Julho), por 227,24 euros (ida e volta com taxas incluídas), três vezes por semana, com partida de Lisboa à segunda, sexta (até 26 Setembro, depois passa a quinta-feira) e sábado e, no sentido inverso, à terça, sexta e domingo.

A Fugas viajou a convite da TAP e do Turismo da Estónia

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