Pode-se conhecer uma cidade através da sua comida? Pode, acredita Filipa Valente. Os passeios gastronómicos são já moda há algum tempo em várias cidades, com os turistas a partirem à descoberta da comida de rua em Banguecoque, dos mercados de Veneza ou das quintas em Inglaterra.
Em Lisboa também havia já algumas experiências do género, mas Filipa quis apresentar uma proposta um pouco diferente: “uma tour cultural para foodies”. Ou seja, um passeio pela cidade durante o qual se come e se ouvem histórias sobre comida, mas também muitas outras histórias que nada têm a ver com comida. É uma forma de descobrir a cidade.
“A ideia surgiu no ano passado, com um amigo americano que viveu em Lisboa e que adora a cidade”, conta Filipa. “Eu estava a estudar a viabilidade de outro negócio, mas ele insistia comigo que eu devia era fazer este e acabou por me convencer.” O conceito de food tour é, explica, “muito anglo-saxónico”, e por isso procurado sobretudo pelos americanos e pelos turistas vindos do Norte da Europa. “Nós no Sul da Europa somos foodies por natureza, mas não concebemos muito bem a ideia de uma food tour.”
Mas no dia em que a Fugas participou num dos passeios, éramos todos portugueses, convidados por Filipa para conhecer o trabalho que está a fazer. A rota proposta foi a da Baixa-Mouraria, uma das duas que a sua empresa, a Taste of Lisboa, tem actualmente (a outra é em Campo de Ourique).
Encontro marcado para o Largo de São Domingos e primeira paragem na Manteigaria Silva. Presunto cortado fininho na Berkel de 1923, vinho tinto, pão para molhar no azeite — e pretexto para se falar de todas estas coisas, da alimentação tradicional dos portugueses, e, já agora, do bacalhau, que se vende em cima de prateleiras de pedra, na porta ao lado da Manteigaria, a Bacalhoaria Silva, que pertence à mesma família. José Sénior, o actual dono desta casa que começou no século XIX como matadouro de gado caprino, vem cumprimentar os visitantes, que petiscam junto a uma barrica, e depois vai buscar os queijos da Serra, que fazem a cura sobre tábuas de madeira, na parte de trás da manteigaria.
“A ideia aqui é mostrar coisas muito reais”, continua Filipa. “Quis sair das rotas mais turísticas, daquelas a que é mais fácil chegar e que os meus concorrentes já faziam. A Taste of Lisboa arriscou trabalhar bairros sobre os quais os turistas não têm tanta informação, mas que mostram muito do que nós somos.”
Seguimos ainda pela Baixa até à porta da Confeitaria Nacional. Aqui não entramos, mas Filipa traz com ela uma caixa de doces para falar da doçaria portuguesa, da história dos conventos, e desse mundo de açúcar e ovos que surpreende os estrangeiros.
É tempo de deixar a Baixa e avançar para a Mouraria, passando pelo Martim Moniz, local ideal para falar da Lisboa multicultural, e recordar as grandes transformações que a cidade conheceu ao longo dos tempos naquela zona, anteriormente um labirinto de ruas e de problemas sociais, que se tentou resolver rasgando uma praça ampla, onde hoje existem vários quiosques de comidas do mundo. Mas aqui não vamos comer.