Fugas - Viagens

  • Nelson Garrido
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Fundão, a terra como princípio de tudo

“Isto impressionou-me. É tudo muito limpo e novo e há imensas coisas a acontecer, ao mesmo tempo que é um lugar muito tranquilo”, diz NeSpoon sobre o Fundão, apesar de estar a pintar um edifício enrugado. Daí o acrescento: “Sim, há muitas casas à venda e abandonadas, mas isso também torna a cidade interessante.” Durante o Cale (que decorre em Agosto), por exemplo, alguns dos 40 comerciantes que compõem o festival de rua ocupam espaços devolutos com o fim de reanimar o centro histórico, hoje vazios porque “as pessoas tiveram de ir embora”, como explica Tânia, aludindo às elevadas taxas de desemprego nas regiões do interior. Mas, no Verão, a população duplica (em 2012, o Instituto Nacional de Estatística contabilizou cerca de 8750 habitantes na cidade) com a visita dos emigrantes à terra.

Dado e fiado

À terceira manhã no Fundão, o “bom dia” salta com a facilidade de um berlinde. Fia-se muito. Dá-se também. Na Casa Formiga (que é formiga por três razões: trabalha sem tréguas há mais de 45 anos, os doces são o nervo do estabelecimento e os proprietários chamam-se Apolinária e Manuel Formiga), a conversa traz-nos dois esquecidos (doçaria regional) ao saco. Maria Apolinária — que imaginamos com facilidade coberta de farinha — conta que amassa o pão desde os 12 anos. “Chorei tanto por não conseguir chegar ao balcão… Mas depois não queria fazer outra coisa…” Agarra a orelha para ensinar o peso do bolo de azeite na tradição beirã: “Por mais pobre que fosse a família, na Páscoa havia sempre um sobre a mesa.” Hoje, “come-se disto todos os dias”, mas com perícia: um bom queijo da serra e doce de abóbora acompanham o bolo no extremo da gula. Mesmo sob os 37º C de Agosto, há que cumprir a tradição.

Contra a gravidade (ou esquecidos dela), subimos a Rua da Cale — dos mercadores e artesãos judeus, no século XV, e hoje pontuada por cafés e caixas de fruta à porta. “Bom dia, menina, bom dia.” Da mercearia, saltam aos olhos os corações-de-boi, o vinho, o mel e os queijos (muitos deles premiados) da região. “Esteja à vontade, menina. Escolha o que quiser.” Leva-se um tomate para morder na relva; compra-se o deleitoso Jornal do Fundão. Enquanto o sol torra a pele e rouba às oliveiras um cheiro manso, há festa na piscina municipal. Adolescentes sem mar treinam o bronze como se o azeite lhes tivesse nascido do corpo. Banham-no e fazem-no secar à sombra de gelados e guarda-sóis de palha. Água é festa nas margens da Gardunha, onde não há pressa. “Tem uma abelha atrás de si, menina.” O mergulho resolve.

O Fundão não entra no plano do espectáculo. Não é um filme de acção e labaredas, mas antes um pacato Kiarostami, para quem aprecia as coisas simples, como o sabor da cereja.

Passos em volta

Se aos primeiros metros a Gardunha parece uma montanha coberta de cerejeiras, castanheiros, oliveiras e pinheiros, com a paciência beirã percebemos que se espraia num sem número de aldeias em arraial, lugares onde se bebe o Zêzere e outros onde ele nos bebe a nós. Quanto mais nos aproximamos do concelho da Pampilhosa da Serra, mais o xisto toma o lugar da terra vermelha. Subimos para depois descer, porque é nas linhas do rio, ziguezagueantes, que se encontra a felicidade.

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