De manhã, quando saímos para o périplo da cidade, a chuva foi-se intensificando até chegar a dimensões diluvianas. Voltámos à muralha de Diu, passando pela porta do campo, cristianizada, com a imagem de Santo Inácio. Nota-se a influência arábica na organização urbana. As grandes referências são o Colégio do Espírito Santo, a Igreja jesuítica de São Paulo ou da Imaculada Conceição (1610) com um cruzeiro no largo fronteiro de profusa decoração de influência hindu.
A fachada de São Paulo é maneirista, com elementos indo-portugueses, pilastras e decoração em estuque com elementos orientais, com conchas sob as janelas. O altar-mor e os púlpitos são em pau-rosa em estilo barroco orientalista. Há apenas meia centena de famílias que falam português. Visitamos o colégio de ensino público, com alunos impecavelmente fardados. O pároco recebe-nos afavelmente, falando inglês. O Museu está na Igreja de São Tomé, muito descaracterizada, mas num lugar proeminente no cimo de uma escadaria. Aí encontramos uma lápide a assinalar o acordo de fronteira entre o Rei de Portugal e Sua Majestade Britânica…
Os duzentos quilómetros entre Diu e Bhavnagar foram épicos. O temporal da manhã deixou tudo alagado e os buracos da estrada exigiam que o autocarro andasse a 10 quilómetros à hora numa verdadeira gincana entre vacas, búfalos, cães e até burros que se iam atravessando placidamente na estrada estreita, sempre sujeita aos constantes sustos das ultrapassagens inusitadas. Resultado: sete horas de caminho. Pernoitamos em Bhavnagar e sentimo-nos num hotel clássico digno de Rudyard Kipling, num ambiente requintado de há cem anos, com quadros representando austeros marajás de cinco gerações. O mais jovem da estirpe vem cumprimentar-nos num tom simpático e distendido. Depois do dilúvio e de uma estrada muito dura foi um bom retemperar energias.
De Bhavnagar a Damão tivemos novo dia inteiro de viagem em autocarro com almoço em Vadodara. E eis-nos no mais importante exemplo português do urbanismo planificado do século XVI, com uma estrutura reticular, à imagem da cidade ideal do Renascimento. Entramos pela porta sul de Damão Grande, com um enquadramento paisagístico excepcional na embocadura do rio Damangaga. A praça foi construída em ligação com a defesa de Diu, de modo a garantir o comércio do Guzarate para o Médio Oriente e Índico. Foi a Armada comandada pelo Vice-Rei D. Constantino de Bragança que concretizou a conquista em 1559, revelando-se depois ser a fortaleza inexpugnável em sucessivos ataques dos mogóis de Deli e dos maratas.
Além do seu valor estratégico, Damão tornou-se no final do século XVIII um centro de construção naval, até 1871, sendo daqui a última Nau da Índia D. Fernando II e Glória. Deve-se a essa atividade a ligação aos territórios de Dadra e Nagar Haveli, onde há florestas de teca, matéria-prima indispensável à construção de navios. A cidade maneirista de João Baptista Cairate é um vasto quadrilátero regular, com cortinas de muralha unidas por uma sequência de dez baluartes poligonais, que no lado de terra são circundados por um fosso, onde entra água na maré-alta. As duas portas estão em alinhamento. Entrando por terra passamos, sucessivamente, a Casa da Câmara, a igreja do Rosário ou da Madre de Deus, com um notável altar-mor de talha dourada e galilé de tradição franciscana. Há quatro conventos: dominicanos (cujas ruínas visitamos), franciscanos, agostinhos e jesuítas.