O dia não podia estar mais soalheiro para Gisela João falar do céu aberto de Lisboa. Com muita luz e gente nas ruas. Canta para as pessoas no meio da rua, ri-se. “Está um dia lindo”, espanta-se, de vez em quando. E conversa muito, gosta de contar histórias. “Como boa minhota, falo que me desunho.”
E conta logo um episódio engraçado que lhe aconteceu num táxi. Depois do Natal, quando chegou a Lisboa, vinda de Barcelos, entrou no táxi e exclamou: “Que bom tempo!” Em Barcelos “estavam quatro graus às três da tarde”. O taxista discordou: “Bom tempo? De onde é que vem? De Barcelos? Ah, a terra da fadista, da Gisela João, não sabe quem é? Ela foi a revelação, não se apercebeu?”. Gisela João alinhou: “Ai é? Ela é boa?” O taxista garantiu-lhe que sim: “Ela é assim pequenita, mas tem cá um vozeirão.” Quando chegou a altura de passar o recibo, a fadista disse-lhe o nome, duas vezes: “Gisela João.” Ele não percebeu e deixou esse espaço branco. Insistiu apenas: “Ponha o nome na Internet e vai encontrar as músicas dela.”
Há outras histórias em táxis. Uma vez o taxista pediu-lhe para falar mais baixo, que aquilo não era “nenhum escritório” e ele queria pôr mais alto a música Mariquinhas que estava a passar no rádio, cantada por ela. “Gosto muito desta menina”, admitiu-lhe, sem saber que a transportava. Mas houve um que se apercebeu e até ligou para a mulher: “Sabes quem é que tenho aqui no táxi comigo?”.
“Chiu”
Vamos passeando por Lisboa até pararmos no Miradouro da Senhora do Monte, o preferido de Gisela João. Mas há muitos sítios de que a fadista gosta. O Terreiro do Paço, por exemplo, porque é bonito. Santa Apolónia, porque lhe lembra os tempos em que ainda não vivia em Lisboa, mas chegava a Lisboa. Vinha ter com o fado e ficava ali à espera que a fossem buscar. A Mouraria também lhe diz muito, porque já viveu ali e os moradores apadrinharam-na “completamente”. Já tem menos ligação a Alfama: “Ia à Tasca da Bela. E gosto de ao sábado passear pelas vielas de Alfama. Mas sempre tive mais ligação à Mouraria, conheço melhor.”
E não se importa nada que a mandem calar nas casas de fado: “Cantava no Sr. Vinho, eu vivia praticamente lá. Adoro a Maria da Mouraria, A Bela, em Alfama, a famosa tasca do Nelo, na Rua das Pretas. Quando me mudei para cá, esses ‘chius’ nas casas de fado sabiam-me tão bem. E acho que esses ‘chius’ devem ser uma experiência para os turistas. Depois, vês ali um senhor ao balcão e, de repente, ele vai cantar e toca as pessoas todas à volta, acho isso incrível.”
Apesar de admitir que, em Lisboa, o fado está por todo o lado, o Porto também o tinha: “Em Lisboa, andas pela rua e tens fado a sair de uma janela. Na Mouraria havia duas senhoras que estavam sempre com o rádio no fado. No Porto, não tens um circuito tão grande como aqui, mas também tens um circuito de fado muito interessante, muito underground, que tem muita piada.” E fala de uma “danceteria”, acha graça à palavra, onde há noites de fado. E de um outro lugar, também num centro comercial, por onde tem de se entrar por uma garagem. E da tasca da D. Piedade, que se zanga com ela quando Gisela João lhe aparece lá com jornalistas sem a avisar — queria ter podido ir ao cabeleireiro.