Fugas - Viagens

  • Miguel Manso
  • Miguel Manso

Continuação: página 2 de 4

A Lisboa de Gisela João

No final da manhã, depois de um passeio a pé que começou no Castelo de São Jorge, passou pela Mouraria, pelo Miradouro da Senhora do Monte, entre outras passagens, acabaria por contar que é no Martim Moniz que compra o material que precisa para fazer o artesanato. Em Lisboa, sai à rua e vê “gente de todos os países”, sobretudo no Martim Moniz: “Dá-nos uma sensação de liberdade e de estarmos no mundo. Entras numa loja e cumprimentas um chinês, depois um indiano.”

Homem, mulher

Gisela João nasceu e foi criada em Barcelos: “O que me falta cá é a quantidade de verde do Minho, aqui não há tanto”, diz. Apesar de ter vivido seis anos no Porto, acabou por aterrar em Lisboa, por razões profissionais. “Vim para Lisboa por causa do trabalho, fui convidada para cantar no Sr. Vinho. Fala-se muito de descentralização, mas Lisboa continua a ser a cidade das oportunidades.”

Diz isto mas sem nostalgias. Sente-se bem nas duas cidades, no Porto, em Lisboa. Diz que uma é o homem, a outra a mulher: “Acho que Lisboa é uma mulher, com luz, cor, gargalhadas. E o Porto um homem, com mais carisma, mais sombrio, mais pedra.”

Já viveu nas Mercês, na Mouraria, agora está a morar na Praça das Flores. “Adoro aquela zona, tudo o que tenha jardins por perto, adoro.” Todos os dias sai para um passeio de bicicleta ou para uma corrida, vai do Cais do Sodré até Belém: “De manhã, quando saio, penso, caramba, isto é mesmo bonito. Até ando a desafiar os meus amigos para fazermos de conta que não vivemos cá, para arrendarmos uma casa e andarmos a passear como os turistas”, vai contando.

À medida que passeamos, não são só os gatos que a enternecem. Os miúdos também. É deslumbrada com o sol, os detalhes, é informal e fala com toda a gente com familiaridade, como se conhecesse as pessoas há muito tempo. Nem se dá por ela quando já é hora de almoço.

Apesar de já ter abraçado Lisboa, o Porto continua-lhe entalado na retina: “O Porto tem um carisma. Qualquer pessoa que chega à Ribeira vê aquela pedra, é muito impactante, as ruelas. Aqui o Tejo parece o mar. Mas eu adoro Lisboa.” Ainda no castelo, debruça-se sobre a muralha e aponta: “Adoro isto, estes telhados de Lisboa de que se fala em algumas letras de fados. Estas águas-furtadas. É lindo, é muito lindo.”

Se pudesse escolher, vivia uma semana no Porto, outra em Lisboa e outra no Rio de Janeiro. Gosta do clima da cidade brasileira, é pessoa “de pouca roupa, de andar todo o dia de saia, calções e t-shirt”. Mas foi no Porto que se tornou adulta: “Tornei-me senhora das minhas contas, da casa, fiz-me adulta. Quando vim para Lisboa, consegui deixar aquilo tudo que tinha construído e construir de novo, tornei-me mulher.”

A vida no Porto também “era mais leve”: “Cantava de vez em quando, as pessoas não sabiam quem eu era, não havia expectativas. Aqui a vida é mais profissional. No Porto, conhecia mais tascas, mais sítios de boémia. Aqui são sítios mais turísticos, em que venho sozinha, mais contemplativa. E também sou um bocado obcecada com o trabalho. Já não vou beber um copo há muito tempo. A tua voz ressente-se mesmo que te deites à uma e meia da manhã. É o suficiente para a tua voz não estar bem.”

--%>