Fugas - Viagens

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A Inglaterra vai nua

O saco (biodegradável) que carregamos nas mãos entra em risco de colapso, pelo que as bicicletas repousam seguras junto à escola, onde um Coasthopper aguarda os passageiros. O bilhete diário dá direito à viagem entre Cromer e King’s Lynn. São cerca de 70km junto ao mar inglês, com estudantes de uniforme azul-marinho e magnatas reformados a encher o autocarro amarelo, azul e verde (poupado em emissões de dióxido de carbono). Um homem de boné fala-nos em Wells-next-the-Sea como ponto obrigatório para comer caranguejos frescos, e embora as empadas e o mel de Cley já tenham cumprido o seu papel, descemos na paragem de Wells.

Às cinco horas, destinadas ao chá, uma cafetaria de vidraça larga deixa ver os passeantes enquanto se trincam shortbreads — o biscoito escocês que acompanha a chávena inglesa, no dia em que o referendo manteve a Escócia na redoma do Reino Unido. O ritual repete-se pelas mesas de madeira, ora com o biscoito da outra banda, ora com os scones nacionais. Não há caranguejos a esta hora, mas, lá fora, os homens do mar carregam prateleiras de marisco a saltar de um lado para o outro, e chamam a curiosidade à praia.

Reza a imagem quase mitológica que quem vem descansar para Wells inclui no programa de natureza um passeio a cavalo na praia de Holkham (eleita a melhor do Reino Unido num inquérito a mais de 100 jornalistas britânicos especializados em viagens). À chegada, a sinalética abunda: “No parking”; “No barbecue”; “No fire”; “No camping”; “Do not cross the line”. Mas é permitido praticar equitação — suspira-se —, desde que “abaixo da marca” assinalada, evidentemente. A fortuna traduz-se num areal amplo (e selvagem até nos tons) que se desfaz num dos “milagres” de Holkham: em hora de maré alta, forma-se uma lagoa na bacia da praia, que nos separar do mar e do impossível. E na reserva natural que nos guarda as costas, gansos de patas rosa, lebres e esquilos atravessam todas as linhas e proibições desenhadas pela ultra-regra inglesa.

Por trilhos de ferro

Sábado de manhã, o Coasthopper dá a volta. Esperam-nos barcos de pescadores e casas de bonecas em Sheringham, o lugar sem tempo em que uma locomotiva a vapor e um comboio dos tempos modernos se cruzam e onde, uma vez por ano, em Setembro, os habitantes passeiam-se a rigor com um guarda-roupa da década de 1940, em memória dos anos de guerra.

Junto à estação de comboios, o mercado de Sheringham exibe livros em segunda mão, algum bric-à-brac, artesanato, roupas e comida quente. De malas aviadas, a decisão é entre a locomotiva dos anos 1920 (que circula pelo campo numa linha montada em 1887) e as janelas amplas do comboio da vida diária de Norfolk. As tâmaras biológicas, o já imprescindível sumo de maçã, o queijo e o pão artesanal aguardam contacto com a boca. Sobre a mesa da estação, um prospecto tímido convida-nos a explorar os canais de Wroxham. Aceitando os sinais, pelos segundos carris é que vamos.

Talvez pela paz das planícies, o revisor mostra-se bem-disposto e avança com piadas carruagem afora. Enverga um pin LGBT e uma pulseira colorida; cobiça-nos as tâmaras em cima da mesa. No banco da frente, um rapaz exibe a tatuagem de uma espiga de trigo atrás da orelha — o campo inglês parece estar-lhe no sangue. Mas na chegada a Wroxham, com convite para os famosos The Broads, cheira a tudo menos terra. A aldeia é atravessada por canais e carregada de vivendas luxuosas, famílias que pescam desde a mesa de um pequeno-almoço em porcelana, garagens onde repousam iates e as sombras do rio Bure. Estamos na maior zona húmida protegida da Grã-Bretanha, que ocupa 303 quilómetros quadrados de água, pântanos, campos agrícolas e florestas entre Norfolk e Suffolk.

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