É à procura desse canto que andamos, para a frente e para trás, para dentro, para o interior da ilha, sem medo de nos perdermos, fazendo por nos perdermos, percorrendo todas as estradas de terra batida, catalogando todas as hortênsias, visitando todos os parques florestais e miradouros, sempre com o Pico no horizonte. O imponente e omnipresente Pico, como se ali tivesse sido colocado para que pudéssemos, também nós, levar para casa o nosso postal perfeito. Às vezes, e dependendo da localização ou do nevoeiro, São Jorge.
Se é verdade que todas as vistas vão dar ao mar e à ilha do Pico, não é menos verdade que todos os caminhos acabarão por ir dar à Caldeira — a cratera maior da ilha, com cerca de 400 metros de profundidade e dois quilómetros de diâmetro – e ao Vulcão dos Capelinhos, ambos parte integrante do Parque Natural do Faial. Um vulcão que agora é um ponto de romaria da ilha, mas que em 1957 foi responsável pela saída de milhares de habitantes. Este em actividade durante 13 meses.
- Não deixa de ser assustador pensar que foi há tão pouco tempo – oiço um grupo de amigos, continentais, comentar no Peter Café Sport, já na Horta.
- Eu não sei se conseguiria viver descansado com um monstro destes debaixo de mim, ainda que adormecido. Esta ilha tem, de facto, algo especial. Há qualquer coisa no mar, ou no ar, não sei...
António Tabucchi dá mais uma vez o tom: “As noites de Porto Pim são silenciosas, basta sussurrar no escuro para se ouvir ao longe. Deixa-me entrar, supliquei-lhe. Ela fechou a persiana e apagou a luz. A lua estava a nascer, com um véu vermelho de lua estival. Sentia uma inquietação, a água muralhava à minha volta, era tudo tão intenso e inalcançável, e lembrei-me de quando era garota e à noite, da falésia, chamava as moreias; e então tive um devaneio, não consegui conter-me, comecei a entoar aquele canto.”
No topo de Portugal
Peter Café Sport, o Monte da Guia (cone vulcânico de 145 metros de altura); praia de Porto Pim (uma das raras praias com areia fina e macia); a Horta, finalmente. A capital, cidade cosmopolita por excelência — dizem alguns guias com pompa e algum exagero — que continua a conservar uma arquitectura e uma aura muito próprias. Tal como o Peter. Se é verdade que o mais famoso bar da cidade já não será bem aquilo que sempre foi, hoje tem tanto de memória viva como de marca turística, continua, apesar de tudo, a ser um ponto de encontro incontornável. No balcão há ainda quem coloque bilhetes à procura de companhia para viagens de barco até ao continente ou até à América. É também ali que ainda se tomam as grandes decisões.
- Uma manhã e uma tarde, será que vale a pena?
Pergunta retórica, claro está. Bastam pouco mais de trinta minutos e menos de dez quilómetros para chegar à Madalena. Chegar à ilha do Pico não é, contudo, chegar apenas à ilha do Pico. Em nenhum outro local do país se pode estar mais perto do céu do que neste pequeno pedaço de terra que se ergue até aos 2351 metros de altitude e isso traz consigo uma natural dose de expectativa. Se para o escritor italiano esta “não é mais do que uma montanha alta e íngreme pousada sobre a água. Há nela três aldeias: Madalena, São Roque, e Lajes; o resto é rocha lavica sobre a qual desponta, aqui e ali, uma videira enfezada e alguns ananazes bravios”, para Raul Brandão “é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores, duma beleza que só a ele lhe pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atracção. É mais do que uma ilha — é uma estátua erguida até ao céu e amolgada pelo fogo — é outro Adamastor como o do cabo das Tormentas.”