“À medida que o tempo passava os pesos iam descendo, enquanto a cada hora e meia hora o mecanismo disparava, fazendo ressoar o sino”, descreve Luís Mata. Há “pouco tempo” uma avaria silenciou “o coração” da torre-relógio, “uma das mais antigas do país”, e, por isso, para já tudo o que vemos é um complexo inerte de rodas dentadas, imaculadamente pintadas de dourado e verde escuro. Em redor, outros relógios mecânicos vão ilustrando a contabilização da “hora igual”, do relógio-esqueleto ao de bolso, do pé alto ao de mesa. Num deles, o pêndulo é constituído por dois frascos de mercúrio. “Um dos problemas dos mecanismos era que, com o calor, o metal contraía ou dilatava e isso fazia atrasar o relógio, então o mercúrio servia de contrapeso para essa dilatação, compensando os atrasos”, explica o historiador. “Em teoria viemos falar do tempo, que é uma coisa abstracta, e a partir daí conseguimos abordar uma série de outras temáticas, desde química, matemática ou física.”
No último piso, a Sala de Observação serve-se das janelas rasgadas sobre o casario escalabitano e as lezírias para “revelar na paisagem as marcas do tempo e promover uma reflexão filosófica sobre os vários tempos”, desde a história e arquitectura da cidade ao ritmo de cada um, materializado no passo de quem corre lá em baixo. Ao centro, a escada empinada desaparece numa pequena portinhola no tecto, de acesso ao velho sino de bronze e às icónicas cabaças. Interdito a visitantes, guia-nos apenas o olhar até à frase de Marguerite Yourcenar que se encaracola sobre as nossas cabeças: “O tempo, esse grande escultor”.
Terminamos a visita sentindo, contudo, que é o próprio edifício que nos dá a maior reflexão sobre essa capacidade transformadora do tempo. Não a sua medição artificialmente convencionada, mas o fado saudosista e assolador do passar do tempo. O tempo que faz cair frases e mancha as paredes de humidade. O tempo que estraga relógios mecânicos e tecnologias interactivas (das inovações trazidas em 2006, apenas uma funciona). O tempo da crise que deixa os objectos do passado por consertar e os projectos do futuro para adiar (a segunda fase do museu, com a exposição da colecção de relógios em arquivo, nunca saiu da gaveta). O Núcleo Museológico do Tempo é, ironicamente, uma casa à espera de melhor(es) tempo(s).
Núcleo Museológico do Tempo – Torre das Cabaças
Largo Zeferino Sarmento, Santarém
Tel.: 912 578 970
Horário: de quarta a domingo das 9h às 12h30 e das 14h às 18h (última entrada às 17h30)
Preço: Gratuito
www. museu.cm-santarem.pt
Casa-Museu Medeiros e Almeida, Lisboa
É uma colecção de relógios absolutamente excepcional, a que o empresário português António Medeiros e Almeida reuniu durante anos — são mais de 700 relógios, dos quais duzentos e poucos estão expostos na Sala dos Relógios da Fundação Medeiros e Almeida, em Lisboa. Há uma peça que, pela sua grandiosidade, se destaca: um “relógio monumental vienense” de mesa em cristal de quartzo, prata, prata dourada, lápis-lazúli, esmaltes, rubis e pedras semipreciosas, que terá sido oferecido por Luís da Baviera à imperatriz Sissi da Áustria. Este relógio, que parece um palácio de cristal encimado por um pavão, é um exemplo dos “esmaltes vienenses”, um tipo de trabalho que surgiu durante o império Austro-Húngaro, entre 1870 e 1910.