Fugas - Viagens

  • Maria João Gala
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António Capelo e Castelo de Paiva

Castelo de Paiva recebe-o de braços abertos e o actor sente-se em casa. Terminou a primária e partiu para o Porto para estudar num colégio. Voltava aos fins-de-semana e nas férias pela marginal do Douro e quando chegava à aldeia fixava os olhos no barco que ligava as duas margens e que transportava os mineiros do Pejão. Brincava no rio, não no Douro, que lhe diziam que era perigoso, mas no Arda, mais calmo e estreito, onde os miúdos mandavam pedras para ver as enguias saltar. Andava de barco com o avô Manuel, que pescava lampreia e sável, e transbordava de orgulho quando passeava de mão dada com ele. “Era um homem muito grande, andava com um sobretudo e chapéu na cabeça”, recorda.

Por vezes, os carros de bois carregados de milho não escapavam às traquinices dos pequenos de Pedorido. António Capelo não esquece os “corvos” que saíam da missa todos os domingos. “Os corvos eram as viúvas, ainda jovens, dos mineiros.” Mulheres que se vestiam de preto dos pés à cabeça, luto de dor pela morte dos maridos. As caras pretas dos mineiros, onde só se via o branco dos olhos, também são recordações. O pequeno Capelo não entrava nas minas, brincava cá fora nos campos de ténis e na piscina junto às casas construídas para os engenheiros que chegavam com as suas famílias. Ficava fascinado com aquela labuta. “Era como umpuzzle. Como um brinquedo. Víamos os vagões sair das minas em tapetes rolantes, o carvão era escolhido e depois entrava numas cestas e ia pelo ar até Gondomar. Para um miúdo, era deslumbrante ver aquilo”, recorda. Aos 18 anos, quando regressava à aldeia, o seu lado de consciência social vinha ao de cima. “Catequizava os mineiros que deviam reivindicar um litro de leite”, lembra. Mas os homens de cara preta não davam ouvidos ao miúdo.

Aldeias de xisto, ilha no rio  

O sol rompeu na manhã daquele dia que acordou cinzento. Castelo de Paiva fica a 45 minutos do Porto, onde vive. “A minha aldeia tem dois rios”, avisa-nos. O Douro e o Arda. No Douro, mora a ilha do Castelo, também conhecida como “ilha dos amores”, onde se descobriu a estrutura de uma antiga ermida do século XV. É uma ilha verde bafejada pela generosa natureza e é a imagem de capa do guia turístico do concelho que é uma vila com muito orgulho — haveríamos de estar com o presidente da câmara, Gonçalo Rocha, que confirmou esse brio. A ilha mora em águas calmas e, numa das próximas viagens de barco, Capelo irá atracar nesse pedaço de terra. O barco que, de vez em quando, é o meio de transporte para os piqueniques que organiza com os amigos com direito a mantas e farnel em viagens em que vai deitando o olho a aldeias que despertam curiosidade.

Midões e Gondarém, na freguesia de Raiva, juntinho ao Douro, são dois exemplos. Para lá chegar, pela estrada, vêem-se medronhos nos matos e que lembram os tempos de infância. As aldeias têm casas de xisto e uma beleza típica das paisagens serranas. Naquela manhã, não se vê quase ninguém. Há um homem, ao longe, sentado no jardim. Vemos casas recuperadas, e com respeito pelos materiais, xisto e ardósia, com cortinas de crochet nas janelas de madeira e canteiros nas paredes. Há também casas a cair de velhas e sem ninguém que lhes ponha a mão. E isso incomoda-o. Quando decidiu comprar uma casa em Castelo de Paiva, observou várias, bateu a várias portas. Não foi fácil. Ninguém quer vender habitações abandonadas, algumas cobertas por silvas. “Estas casas vão cair de podres.” Por isso, se mandasse, haveria uma lei. “Se houvesse um comprador, os proprietários ou vendiam ou então eram obrigados a arranjar as casas.

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