Fugas - Viagens

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António Capelo e Castelo de Paiva

Por Sara Dias Oliveira

Actor, encenador, professor de teatro, director artístico, António Capelo nasceu a dois passos do Douro. Um regresso à terra. E à agua.

Brincava no rio, andava de barco com o avô que pescava lampreia e sável, fixava os olhos no carvão que saía das minas e andava no ar. Aos nove anos, saiu da aldeia para estudar na cidade, mas continuou ligado às origens. Tem um barco e recupera uma casa no cimo de um monte. O povo da sua terra comprou um degrau do Palácio do Bolhão, o seu novo espaço de trabalho na Rua Formosa, no Porto, e que abre sexta-feira. Retribuiu a generosidade com um recital de poesia.
 

Apanha tangerinas e limões, pergunta se queremos louro e salsa e vai buscar carqueja que só cresce a partir de determinada altitude e que fica perfeita com aves de caça — confidencia que costuma usá-la no escabeche de perdiz, um dos seus petiscos culinários. Mete tudo num saco plástico e oferece-nos o que sai daquela terra onde nasceu e cresceu em Pedorido, Castelo de Paiva. Naquela terra, no alto de um monte, recupera uma casa e respeita, ao detalhe, a traça de outros tempos. Paredes de xisto, beirais de ardósia, portas de madeira num terreno de seis socalcos feitos à unha pelos antigos donos, um campo com seis cerejeiras que ainda não rebentaram, uma figueira e outras árvores de fruto, batatas acabadas de semear pelo sobrinho Eduardo, que aproveita uma folga para tratar do quintal do tio, sob o olhar da mulher Célia, grávida em fim de tempo, que aguarda que Maria nasça dentro de poucas semanas. A esplanada levará uma planta trepadeira que se agarrará às vigas de madeira. O chão da eira será coberto por ardósia. Terá um jardim à entrada e um tanque no quintal.

A vista para o Douro corta a respiração naquela casa que será o refúgio de dias agitados. Uma casa para receber amigos e estar perto das origens. Regressar às memórias, recuperar tempo perdido. António Capelo, actor, encenador, professor de teatro, director artístico da ACE – Academia Contemporânea do Espectáculo/Teatro do Bolhão, nasceu nesta terra, a dois passos do Douro. Aquelas águas trazem-lhe recordações. Dois rabelos ali naufragaram e ali ficaram. Os homens que iam ao leme metiam conversa com quem andava nas margens. No barco do avô, pescava-se lampreia e sável.

Esta é a sua terra. A terra das minas do Pejão, que se calaram há 20 anos e onde 600 homens trabalhavam a 300 metros abaixo do chão. A terra de uma multinacional de calçado que encerrou para partir para a Roménia, deixando quase 600 operários sem emprego. A terra da queda da ponte de Entre-os-Rios, que sangrou o país. “É um povo que vive anonimamente e que sofre publicamente”, diz-nos numa frase que soa a resumo do fado daquela gente. Dessa gente que resiste e que enche o peito com orgulho pelos belos pedaços do seu território.

O povo da sua aldeia acompanha-lhe os passos no teatro, no cinema, na televisão e pede-lhe ajuda nas causas em que acredita.

A classificação da ponte centenária sobre o rio Arda, ali juntinho à casa amarela da prima, anda a matutar naquelas cabeças. A travessia é igualzinha à ponte que caiu em Entre-os-Rios. O actor escutou a vontade e deu a sua opinião.“Classificar sim, mas primeiro é preciso retirar a conduta de cima da ponte.” A luta deve começar por aí. A conduta de água é, de facto, um corpo estranho que ocupa todo o comprimento da ponte que tem gravado no metal o ano de 1893. Ali só passa um carro de cada vez. Capelo gosta da ponte e, por isso, torce o nariz ao apêndice anunciado como provisório e que teme que se tenha tornado permanente.

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