Mas Užupis, um dos subúrbios mais antigos de Vílnius, era já mencionado no século XV, quando a área era habitada por mercadores e artesãos e, mais tarde, por oficiais subalternos. A parte norte do território foi escolhida, em tempos, para acolher a Irmandade Ortodoxa do Espírito Santo — e, por isso, muitos padres habitavam esta zona onde ainda hoje se erguem duas igrejas (Užupis também tem o seu próprio bispo).
Até à declaração de independência da Lituânia, em 1990, Užupis era um dos bairros mais negligentes da cidade, albergando um grande número de casas decrépitas, sem qualquer utilidade e vivendo a ameaça constante de se verem reduzidas a escombros. Mas, mesmo já antes do grito de liberdade, aquela que não raras vezes é comparada, devido ao seu carácter boémio, a Montmartre, em Paris, ou a Christiania, em Copenhaga, era frequentada por pintores e poetas, uma tendência que foi sendo exacerbada nos últimos anos — num total de sete mil habitantes, mil estão ligados ao mundo das artes.
“Todos têm o direito de viver nas margens do rio Vilna e o rio Vilna tem o direito de correr por entre todos eles”.
Para a minha direita, a esplanada do Café Užupio que se debruça sobre o Vilnia; para a esquerda, sentada numa pequena janela de pedra encimada por um arco, uma sereia em bronze esculpida por Romas Vilciauskas. Em 2004, face à subida das águas do rio, a sereia foi arrastada pela corrente mas mais tarde recuperada e hoje divide as suas atenções com os muitos cadeados que ornamentam a ponte, ali colocados por casais enamorados ou recém-casados — e que depois atiram as chaves para o Vilnia. A ponte Užupis (bem como todas as outras que servem as duas margens) é muito concorrida especialmente aos sábados, contribuindo para perpetuar uma tradição arreigada no espírito dos lituanos — o noivo tem de carregar a noiva nos braços de um lado ao outro do rio.
Estátua para Zappa
As sementes para a independência de Užupis foram, na verdade, lançadas em 1995, três anos antes da sua materialização e como consequência da libertação da Lituânia do jugo soviético. Num abrir e fechar de olhos, estátuas de Lenine e de Marx foram derrubadas; Saulius Paukstys, um nativo de Užupis, há muitos anos admirador de Frank Zappa (1940-1993), cuja música fora proibida durante o regime soviético, começou a amadurecer a ideia de erguer uma estátua do cantor americano, um desejo que, numa primeira fase, motivou uma onda de cepticismo junto das autoridades locais.
Para todos os efeitos, Frank Zappa era visto como um homem de esquerda e o fantasma ainda estava bem presente; reza a história que Saulius Paukstys tratou de convencer os governantes, sedentos de respirar outros ares, de que o homem nascido em Baltimore era, efectivamente, um judeu e, uma vez ponderada a importância da cultura e da história judaicas para a cidade de Vílnius, políticos e burocratas posicionaram-se a favor da decisão, permitindo que a estátua (cabeça em bronze) fosse levantada, já lá vão precisamente vinte anos, no alto de uma coluna na Kalinausko Gatve, com a assinatura do escultor Konstantinas Bogdanas.