Fugas - Viagens

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Sri Lanka: As verdes colinas da Ásia

O cenário urbano é o de uma miscelânea em que se fazem notar mestiçagens e contrastes culturais — o Sri Lanka contemporâneo dos mercados de legumes e fruta tropical, o formigueiro de tuk-tuks, as bancas de grinaldas de flores diante dos templos budistas, os obstinados angariadores de hóspedes para a miríade de hotéis, pensões, guesthouses e sabe-se lá mais o quê. Mas o forasteiro, se lhe faltar programa ou outras motivações, sempre se pode dedicar a reconstituir as razões do cognome que coube a Nuwara Eliya, o de “Little England”, conquistado nos tempos em que a colónia precisava de inventar uma estância de férias que a fizesse sentir em casa.

Depois de Nanu Oya, a carruagem reanima-se, renovados os passageiros, os rostos, os modos, os olhares, as conversas, as bagagens. É como se a viagem voltasse ao início. À janela do outro lado vão dois monges que logo se metem a fotografar a paisagem com os telemóveis. Não é uma cena incomum, esta espécie de “secularização” de comportamentos do clero budista: nas estações há os que fumam um cigarro inquieto antes de embarcarem, outros fazem-se retratar diante de monumentos, templos e paisagens. Em Kandy observei um respeitável monge escolhendo criteriosamente num quiosque os números de lotaria em que queria apostar...

No banco da frente viajam dois jovens backpackers. Têm planos para seguirem para a costa oriental do Sri Lanka, uma zona interdita aos estrangeiros até ao fim da guerra civil, em 2009. O destino é uma Meca de surfistas, rastas e toda uma vasta prole de turistas oficialmente centrífugos. Decidiram fazer um desvio pelo Hill Country, destino improvável e um tanto insólito para esta classe de viajantes, rebeldes sem rebeldia, aventureiros já sem nenhuma aventura, docilmente submissos, enfim, aos conselhos dos guias de viagem “alternativos”.

Peter e Margareth vieram de Darwin, na Austrália, e vão juntar-se a uns amigos ingleses em Arugam Bay. Estão apreensivos desde que souberam da deportação, no ano passado, de uma turista britânica cuja tatuagem de Buda num braço desagradou às autoridades cingalesas. Margareth, que diz simpatizar (“genuinamente”, acha por bem sublinhar) com o budismo, acha que foi um sinal de intolerância, Peter, esse, inclina-se para problemas de comunicação. Enfim, precisará o Sri Lanka de se esforçar mais para compreender a racionalidade pós-moderna destes fervores religiosos à tona da pele? Ou convirá aos viajantes não esquecerem a sua quota-parte no diálogo intercultural e acautelarem a atenção aos interditos indígenas? Tatoo or not tatoo: Peter e Margareth estão no meio da ponte, vieram pelo surf e para já deixam-se enlevar pela inopinada paisagem do chá a voar do outro lado da janela.

Luminoso sorriso

As noites são frias. De manhã, nos vales e nos cumes, o dia e a paisagem despertam imersos em nevoeiros. Depois de algumas semanas passadas a percorrer o litoral do Sri Lanka, no sul e ao longo da província oriental, o frio e as neblinas húmidas resultam numa bênção para o viajante, tal como as esplêndidas Cameron Highlands são um providencial lenitivo no purgatório climático da Malásia. Numa ilha tão reduzida como o Sri Lanka (cerca de dois terços da superfície de Portugal), é como se mudássemos de continente no espaço de tempo de uma curta jornada de comboio. Haputale, que caiu um dia nas graças do escocês Thomas Lipton, fica a 1431 metros de altitude.

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