Nestas paragens é a altitude, mais do que qualquer outro factor, que decide o clima, mas mesmo assim subsiste uma estranheza — estamos, afinal, a uns quinhentos quilómetros da linha do Equador. O clima, caprichoso, é, enfim, propício aos caçadores de imagens, tais os seus prodígios de montanha: as variações de luz, os nevoeiros translúcidos e os aguaceiros podem converter-se em protagonistas de belas imagens, num território de uma caça bem diferente da que Hemingway narrou nas fanfarronices que entranham a prosa de As verdes colinas de África.
Caminhar ao longo da linha férrea, entre Haputale e Ella, é uma das formas mais fáceis de mergulhar nestas belas paisagens de montanha, de aceder a perspectivas variadas das plantações, mas também de partilhar um pouco das rotinas da população local — andarilhar pelas linhas férreas é mesmo uma prática muito comum nesta região acidentada do Sri Lanka, onde as plantações se localizam, por vezes, a mais de 1500 metros de altitude. Pattipola, a estação ferroviária mais alta do país, fica a quinze quilómetros de Haputale e pode-se articular facilmente uma jornada pedestre com o regresso de comboio ao ponto de partida.
Unidas por um trecho de linha de duas dezenas de quilómetros, as povoações de Ella e Haputale são duas faces distintas no panorama das modas turísticas. A primeira anda nas bocas do mundo e tem um farto quinhão dos fluxos turísticos. Já os dias de glória de Haputale são coisa do passado e o povoado acabou por mergulhar numa discrição que é hoje um esteio do seu encanto: com escassos forasteiros à vista, é a vida local, sem artifícios de economia turística, que prevalece em cena.
Não há souvenirs nem simulações pós-modernas de autenticidades para embasbacar as câmaras fotográficas dos turistas, as lojas fazem o seu papel de abastecimento da procura local, camiões vetustos e coloridos apeiam a sua carga diante de armazéns carregados de patine, os restaurantes modestos servem, em troca de um punhado de rupias, uns cêntimos de euro, deliciosos rice and curry, honestos tuk-tuks levam-nos para umas voltas pelas montanhas, até à fábrica de chá de Dambatenne, ao miradouro de Lipton’s Seat ou ao mosteiro beneditino de Adisham. E nas andanças pelas veredas das plantações, o pequeno milagre dos lugares onde quase nunca chegam as luzes da ribalta: as moças tamil esquecem por instantes a vida cinzenta e desperdiçada nas plantações e oferecem ao caminheiro o mais luminoso dos sorrisos.
.O ouro do Ceilão
No princípio era a canela. Ao tempo em que os navegadores e comerciantes portugueses chegaram ao Ceilão, no início do século XVI, a canela era uma das principais mercadorias transaccionadas na ilha, a par de elefantes e pedras preciosas. A dita “verdadeira canela” (extraída da Cinnamomum verum, já que há outras espécies arborícolas de que se extrai a especiaria) continua a ter, aliás, o Sri Lanka como principal produtor mundial, mas desde a época colonial outras exportações originadas no sector primário adquiriram maior protagonismo, geraram maior volume de riqueza e contribuíram, também, para o prestígio internacional do Sri Lanka.