Um jantar nas ruínas
O sol há muito se foi, escondido pelas montanhas. Porém, a longa jornada não termina sem mais uma etapa à mesa, desta vez no Castelo Grumello. O autocarro deixa-nos a uma certa distância do cume onde fica esta antiga fortaleza militar composta por um castelo gémeo e três torres: uma virada para Tirano, outra para Sondrio e a terceira, actualmente, para lado algum, dado que dela apenas resta uma ruína. A vista já no lusco-fusco vale o exercício físico. E abre o apetite.
“Os Alpes eram vistos como uma barreira, mas agora estão-se a valorizar as coisas locais e na alimentação passa-se o mesmo. A cozinha é uma cozinha pobre mas rica de sabores”, refere o presidente da Câmara de Sondrio, Alcidi di Molteni.
O primeiro prato é disso exemplo: massa de trigo sarraceno com queijo, batata e couve. Prato de conforto, guloso, típico de montanha. Muito bom! Dispensa-se a faca e come-se apenas com o garfo. Os locais, mesmo as individualidades, rapam tudo, já os mais citadinos deixam uma boa parte das batatas no prato. Que sacrilégio...
A noite é passada num pequeno hotel de charme de montanha, a dez, quinze quilómetros de Tirano. Mal dá para apreciar a vista ou aproveitar as amenities. Chegamos tarde e partiremos cedo.
Vistas de tirar o fôlego
A estrada que no dia seguinte nos leva de regresso a Tirano serpenteia parte do vale, onde a vinha tem concorrentes a disputar-lhe a terra: o trigo sarraceno e as macieiras carregadas de maçãs que salpicam a paisagem de verde e vermelho. Os campos de oliveiras parecem também querer fazer parte do grupo, numa era em que o azeite começa a disputar a hegemonia da manteiga como gordura dominante na gastronomia das regiões de montanha.
O trigo sarraceno faz parte de cozinhados típicos da zona, como a polenta ou o pizzocheri (massa). O falso cereal, que se cultiva no vale, esteve em produção decrescente por falta de interesse das gerações mais novas em trabalhar o campo. Por isso, para compensar, tiveram passar a importá-lo da Alemanha. Contudo, no últimos tempos a tendência das dietas sem glúten aumentou o consumo e trouxe um novo alento produtivo ao seu cultivo.
O comboio parte às 8h52 e minutos depois já estamos em território suíço. O Berlina Express pode não ter o mesmo charme do slow train que nos trouxe de Milão. Todavia, é mais confortável, além de permitir apreciar melhor a paisagem com as suas janelas panorâmicas. Em 2010 celebrou-se o centenário do primeiro comboio a vapor que fazia, no Verão, o percurso entre Valposchiavo e St. Moritz (no Inverno, só começou a funcionar em 1930). A linha ferroviária e grande parte do perímetro em volta são património da UNESCO e não há como fugir ao lugar comum para descrever o percurso: do famoso elíptico viaduto de Brusio às margens do rio e do lago Poschiavo, a subida pela montanha até à Marmita dei Giganti, em Cavaglia, passando depois por Alp Grüm (a 2091m), Ospizio Bernina (a 2253m), Passagem de Diavolezza e o glaciar de Morteratsch. A paisagem é literalmente de tirar o fôlego.