Fugas - Viagens

  • Miguel Manso
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A Leste do Paraíso

Há, claro, a história das “obras de Santa Engrácia”, a suposta maldição que um jovem, Simão Pires Solis, terá lançado em Janeiro de 1630 sobre esta igreja. Identificado como cristão-novo e acusado de ter roubado o relicário de Santa Engrácia por ser visto muitas vezes à noite naquela zona, foi condenado à morte e queimado, ali ao lado, no Campo de Santa Clara. Disse sempre que não era culpado e mesmo antes de morrer terá gritado “É tão certo morrer inocente como estas obras nunca mais acabarem!” Descobriu-se mais tarde que o ladrão era outro, Simão estava inocente e a sua presença à noite no local tinha a ver com a paixão por uma freira que estava no Convento de Santa Clara. O facto é que, com maldição ou sem ela, as obras arrastaram-se durante séculos.

Foi em 1568 que a infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, mandou construir aqui uma igreja para receber as relíquias da mártir Engrácia de Saragoça. Um século depois começou a saga da construção da actual igreja mas as complicações foram tantas que nem o Marquês de Pombal conseguiu que as obras terminassem (o espaço, sempre meio construído, chegou a ser usado como fábrica de sapatos pelo Exército). Por causa de Simão, ou por outra razão qualquer, passaram-se 284 anos até ser possível inaugurar o Panteão, o que acabou por acontecer em 1966.

O interior fresco do Panteão é um alívio para o calor que está no exterior. Aqui estão os cenotáfios (monumentos fúnebres sem o corpo do homenageado) de D. Nuno Álvares Pereira, Infante D. Henrique, Pedro Álvares Cabral, Vasco da Gama, Luís de Camões e Afonso de Albuquerque. E ainda os túmulos de Almeida Garrett, Amália Rodrigues, Aquilino Ribeiro, Guerra Junqueiro, Humberto Delgado, João de Deus, Manuel de Arriaga, Óscar Carmona, Sidónio Pais, Sophia de Mello Breyner Andresen e Teófilo Braga.

Mas depois da visita aos túmulos é fundamental subir os degraus, passar pelo coro alto e continuar a subir até ao terraço, junto da cúpula. Aí, sim, mergulhados na luz branca da cidade, estamos mais próximos de um qualquer paraíso, em que Lisboa parece feita apenas de pedra branca, mar e céu.

Descemos e regressamos, por uma das ruelas estreitas, à Rua do Paraíso. Passamos pelo restaurante Gruta do Paraíso, uma verdadeira gruta com paredes de rocha que, segundo se diz, fariam parte da muralha fernandina. Logo a seguir há outro restaurante que serve comida portuguesa e filipina e daí a poucos metros já chegámos ao final da rua. Novo desvio, desta vez para a esquerda, e descemos em direcção à estação de Santa Apolónia. Aí fica o Museu Militar, que mais do que justifica deixarmos novamente, por momentos, o paraíso.

Neste local funcionou desde o final do século XV o Arsenal Real do Exército com as fundições de artilharia – aqui ficava a chamada Fundição de Baixo. Foi precisamente para preservar “os modelos de machinas, aparelhos e objectos raros e curiosos” que o Barão de Monte Pedral decidiu fundar o museu em 1842.

É um espaço único na cidade, vindo de outras épocas. São 32 salas, com paredes e tectos profusamente decorados, onde nos confrontamos com vários momentos históricos, uns épicos, outros dramáticos – as Salas da I Guerra com as pinturas de Adriano Sousa Lopes mostrando os soldados portugueses nesse conflito são das mais emblemáticas.

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