Fugas - Viagens

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A Leste do Paraíso

Por Alexandra Prado Coelho

É uma rua pequena, entre o Campo de Santa Clara e Santa Apolónia, em Lisboa, que se percorre rapidamente. A menos que estejamos dispostos a desviarmo-nos do paraíso – e a verdade é que vale a pena fazê-lo. Há muito para descobrir a Leste (e a Oeste e a Norte e a Sul) do paraíso.

O paraíso é curto – pelo menos em Lisboa.

Bastam poucos minutos para se percorrer a Rua do Paraíso, que liga o Campo de Santa Clara, onde às terças e sábados se instala a Feira da Ladra, à Rua dos Remédios, onde nos últimos anos se multiplicaram os bares, restaurantes e casas onde se canta o fado. Mas o que descobrimos é que se neste passeio soubermos, nos momentos certos, desviar-nos do paraíso, pode valer a pena.

Começamos, então, do lado do Campo de Santa Clara, mais exactamente na Praça Dr. Bernardino António Gomes (situada entre o Jardim Boto Machado e o Hospital da Marinha), no passado um local de execuções públicas, o que lhe mereceu o simpático nome de Campo da Forca.

O primeiro edifício da Rua do Paraíso, que faz esquina com esta praça, é conhecido como o Casão Militar e pertence às Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento (OGFE). Até há pouco tempo funcionava aí um centro comercial destinado aos militares, onde se vendiam fardamentos e outros artigos, mas agora está fechado. Originalmente, contudo, o enorme edifício pintado de vermelho escuro era a casa de uma família da nobreza, os condes de Resende.

Socorremo-nos de um texto do blogue Ruas de Lisboa com Alguma História para perceber as origens deste palácio, que terá sido dos primeiros a construir-se nesta zona da cidade, no século XVII. Conta-se aí que “segundo os registos paroquiais, já em 1606 D. João de Castro, senhor do Morgado de Resende, baptizou uma filha na freguesia de Santa Engrácia, dando como morada as ‘suas casas’ neste Campo.” “ Precisamente na esquina para a Rua do Paraíso ainda se pode ver o brasão dos Condes de Resende, Almirantes do Reino.”

Mais tarde, e antes de passar para as OGFE, parte do edifício foi usada para teatro. Terá sido aí, no Teatro da Sociedade Thalia, que estreou em 1844, com grande êxito, a peça O Tio Simplício, de Almeida Garrett. E, em 1873, por um breve período, o Teatro Popular de Alfama funcionou também no palácio, que mais tarde, em 1916, viria a sofrer um grande incêndio que o destruiu parcialmente.

Ainda não saímos da esquina da Rua do Paraíso e já temos ao nosso lado direito um enorme palácio meio vazio e, à nossa esquerda, outro. Trata-se do Hospital da Marinha, também recentemente desactivado, construído (então como Hospital Real da Marinha) em 1797 no local onde antes existira o Colégio de São Francisco Xavier ou Hospício dos Jesuítas ao Paraíso.

Avancemos, então. Um pequeno beco à direita abre-se para um pátio onde existe uma oficina que arranja móveis, mais à frente existem dois restaurantes, a Parreirinha do Paraíso e a Codorniz do Paraíso, à esquerda uma escola e a seguir o Centro de Medicina Subaquática e Hiperbárica do Ministério da Marinha. E de repente, novamente à direita, há um caminho para sair do paraíso. Será que queremos? Parece uma rua muito calma, roupa pendurada às janelas a secar e um discreto azulejo a noticiar que no final dos anos 1990 esta Travessa do Paraíso participou no concurso da rua mais florida da cidade.

Mas o que de facto nos atrai é que se subirmos estes poucos metros de travessa chegamos ao edifício que se ergue, majestoso, mais acima: o Panteão Nacional. E este merece bem um desvio do paraíso.

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