(Lupanar: palavra que deixou de se usar. A mim soa-me a lua e a sonho. Mas o significado é menos etéreo.)
Num caso e noutro, os frescos não se comparam aos que estão no Museu Arqueológico Nacional, reunidos num cabinet secreto. Estes têm uma condição exemplar, os que se encontram nas paredes de Pompeia são de qualidade deficiente.
Convém esclarecer desde já que para visitar Pompeia no seu esplendor é indispensável visitar o museu em Nápoles. Numa linha: visitar Pompeia obriga a uma visita em duas partes. Resulta incompreensível que boa parte dos turistas ignore Nápoles e resuma a cidade à sujidade e ao perigo. O Museu Arqueológico reúne uma prodigiosa colecção de mosaicos, frescos, esculturas, objectos de todos os dias recolhidos nas localidades atingidas pelo Vesúvio (Pompeia e Herculano, sobretudo, mas também Boscoreale). Além do mais, estão aí o descomunal Hércules vindo das termas de Caracala e o Touro Farnese, um complexo escultórico que parte do maior bloco de mármore que se conhece. Miguel Ângelo trabalhou nele. Repetirei as vezes necessárias que considero o Museu Arqueológico Nacional um dos melhores museus do mundo. Tem manifestamente pouco dinheiro, e talvez pouco esmero na organização da colecção, mas a qualidade das peças suplanta largamente estas dificuldades. E as peças são os tesouros que resistiram ao tempo e à pilhagem de Pompeia.
Na cidade, em si, quase tudo o que vemos é uma reprodução. Por exemplo, o mosaico da batalha de Alexandre e Dário, as estátuas de Apolo e Diana: os originais estão a salvo em Nápoles. Em Pompeia, sujeitos à intempérie ou ao calor que queima, estão boas réplicas. Em qualquer dos casos, chama por nós o olhar febril do jovem imperador, Dário ansioso, os cavalos, o desalinho de lanças em combate.
Depois deste excurso, retomo a visita guiada. O caminho até à muralha faz-se sobre basalto vesuviano. Um caminho de dois mil anos que nos leva, pouco mais à frente, à praça principal. Ampla, concentra o poder político, religioso, administrativo. O Vesúvio, que fica a 23 quilómetros dali, parece fazer parte do recorte da praça, tão próximo quanto os templos de Vénus, de Apolo, a basílica (onde se administrava a justiça). O mercado de tecidos fica à direita. À esquerda, o mercado de hortaliças e fruta. A guia, uma jovem que combina firmeza e suavidade na voz, explica que vinho e azeite eram transportados em ânforas, e que a urina era usada como lixívia.
Contratar um guia não é um luxo. Há visitas em diferentes línguas, os grupos têm composição diversa. As explicações de Elena (vou chamar-lhe assim por me ter lembrado os personagens da escritora napolitana Elena Ferrante) retiraram um manto, um manto de cinza ou neve, como o descreveu Plínio, à Pompeia que agora vive à superfície. Doutorada em arqueologia, trouxe uma nitidez à viagem, tornou possível o movimento da máquina do tempo.
Elena diz quase nada sobre as obras que delimitam casas e passeios, a não ser que há anos estão assim. É omissa em relação aos comentários de que a Camorra controla sindicatos e grandes obras (“Imagine que os funcionários de Pompeia decidem fazer greve, dias e dias, seguindo indicações superiores, não forçosamente oficias... Está a ver o poder da Máfia?, está a ver o modo como se infiltram em todos os sectores?”, tinham-me dito.) Elena fala de Pompeia. Por vezes, tinha um tom vibrante, de quem ama o lugar.