Fugas - Viagens

  • Giampiero Sposito/Reuters

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Pompeia, o que resta da última noite do mundo

Prossegue o passeio. As casas ricas não distam muito do foro. A mais sumptuosa é a do Fauno, assim chamada por ter uma pequena escultura de um fauno (tão gracioso) a embelezar um tanque. Ocupa 3000 m2, pertenceu seguramente a uma pessoa culta, o que se percebe por a casa ser uma imitação de um palácio helenista. Voltada para magníficos jardins interiores, assente em colunas coríntias, de capitéis estucados, tem a inscrição latina Have – ou seja, Avé – a dar as boas-vindas.

Outras casas particulares: a villa dos Mistérios. A casa dos Vetii. A casa do Poeta Trágico. A casa dos Amantes Castos (assim mesmo).  

A casa de Ifigénia faz-me pensar em Goethe, que apelidou Pompeia de “cidade mumificada”. O poeta alemão reescrevia a peça Ifigénia na Táurida por altura da viagem a Itália, em 1787. O mito do resgate de Ifigénia conheceu várias representações. No museu de Nápoles há um fresco impressionante que ilustra a tragédia e que provém de Pompeia.

Goethe escreve na Viagem a Itália que achou a cidade acanhada. “Ruas estreitas, embora direitas e com passeios laterais, casas pequenas sem janelas, os quartos iluminados, a partir dos pátios e das galerias abertas, apenas através das portas.” A mim ficou-me uma impressão contrária. Pode ser que tenhamos visto coisas diferentes. Afinal, as escavações estavam longe de estar concluídas no século XVIII. Ainda hoje, de resto, permanece uma parte por desenterrar. Sobretudo, pode ser que eu tenha ficado estonteada com o tamanho da casa do fauno e tenha feito desaparecer o rasto dos compartimentos exíguos, as ruas onde apenas cabe um carro de bois.

A minha guia faz-me parar à sombra, entrar no mais famoso dos thermopolia. Ou seja, estabelecimentos onde se vendiam bebidas e comidas quentes. Ou seja, um snack-bar. Com um balcão de esquina, orifícios de onde saía o calor, uma sala interior onde se comia sentado, o larário com um fresco. (O larário era o pequeno espaço de culto, dedicado aos deuses que protegiam a casa.)

Do outro lado da rua há um fresco com propaganda política. A inscrição é ténue, e não consigo perceber exactamente o que se diz. Elena é que conta que há paredes onde se pode ler “Vota em mim”.

Mais adiante fica o pequeno teatro, destinado a 1000 pessoas. Um pequeno teatro destinado a 1000 pessoas? O grande leva 5000. No anfiteatro cabem 20.000. Em qualquer deles, as pessoas sentavam-se de acordo com o estatuto social. Junto à arena, os magistrados, num plano médio, os burgueses, nas camadas superiores, o povo. Parece que há coisas tão antigas quanto a vida.

Estou novamente no lugar onde comecei o texto, na arena onde estão dezenas de corpos petrificados. Abandono o espaço a pensar no encontro com a noite última do mundo que não o foi. No milagre das flores, da vida que continua. Cá fora sugerem excursões ao Vesúvio. Não desta vez.

Até à porta de entrada há um quilómetro e meio debaixo da sombra dos pinheiros. Nas imediações há um parque de estacionamento chamado Zeus. Em Roma, tinha visto um café Fauno. E há limões do tamanho de cabaças. Vai uma granita al limone? Para matar o calor, como fariam em Pompeia?

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