O anfiteatro foi a última coisa que vi em Pompeia. E então ficou uma impressão de espaço imenso. Escutei a fantasia de 20 mil pessoas, massa ululante em redor. Rugidos de pessoas e bestas. O desalinho, a alegria, a ameaça, uma panóplia de emoções que vem das bancadas. Leões, gladiadores, penachos, o drapeado das túnicas. Na fantasia.
As bancadas desenham um risco oval, hoje estão meio comidas pela relva, erodidas pelo tempo e vento. Está o que resta do que foi engolido pelo Vesúvio. Como toda a cidade. Olha-se em volta e vê-se a pedra, o verde e muitas papoilas. Ou não são muitas, mas a cor é tão intensa que se avista ao longe e faz delas muitas. Não deixa de ser espantoso que sejam papoilas, flor do campo e de gente simples, a irromper por ali. Sem pedir licença, sem pedir cuidados. Nascem e pronto. Nascem e não se deixam apanhar – logo fenecem. Extremamente frágeis, orgulhosas, independentes (se é que isto se pode dizer de uma flor..., mas vai bem com o lugar).
Não se chega às papoilas porque há uma corda que delimita o espaço. Não se pode senão estar na arena, olhar em volta e ver um muro sólido que ainda resiste, a copa de pinheiros mansos, o céu. E na arena, uma exposição com o mais impressionante de Pompeia.
Mais impressionante do que os frescos desbotados, e ainda sim vivos, do que as colunas do templo de Apolo, que não se poderiam abraçar com dois braços, por não serem suficientes; mais impressionante do que tudo são os corpos apanhados pela morte enquanto faziam a vida de todos os dias, fixados no preciso instante em que uma chuva de pedras e cinzas os atingiu. Ano de 79 d.C. Era Agosto.
A descrição de Plínio (jovem sobrinho-neto do grande naturalista Plínio, o Velho): “Choviam pedra-pomes e rochas vulcânicas incandescentes. De muitos pontos do Vesúvio cintilavam chamas e altos incêndios, acentuados pelas trevas da noite. [...] Ouviam-se gritos de mulheres, choro de jovens, brados de homens. Havia quem, por medo de morrer, invocasse a morte. Muitos levantavam os braços para os deuses, outros tantos afirmavam que já não havia deuses, que aquela noite seria eterna, a última noite do mundo.”
A cidade que hoje vemos é o que resta da última noite do mundo.
A dois passos do anfiteatro, frutifica hoje a vinha, relva compacta cobre o caminho, oliveiras, ciprestes, e sempre pinheiros, pinheiros tosquiados em forma de nuvem. A vida parece que começou a despontar aí, nessa zona mais recuada de Pompeia, onde também fica o cemitério (chamemos-lhe assim de modo simplificado). As árvores ou as flores quase não existem na parte da cidade por onde se entra, ponto nevrálgico da vida quotidiana, dominado pelos grandes espaços públicos, lojas, casas, o mercado ou as termas.
Pode ser que o verde, essa ilusão de vida, de continuação do dia de ontem, torne mais impressionante os corpos petrificados, os movimentos de tensão, medo, recusa que podemos identificar ou adivinhar (sem efabular muito).
Portanto, quando se começa a visita a Pompeia, aparecem as termas, as ruas iguais às nossas, casas e pátios, os mercados. Vemos ânforas, objectos de todos os dias, a réplica de um mosaico, uma estátua. Colunas do que foi um templo, vestígios. Vemos até um ou dois ou três corpos apanhados pela lava, dispostos ao lado das ânforas. E o Vesúvio sempre a seguir-nos, para onde quer que se olhe. Depois passamos pelo teatro pequeno, lugar de música, pelo teatro médio, adequado ao teatro. A natureza impõe-se mais e mais, e não esperamos aquele impacto de morte que é ver os corpos, dezenas, no anfiteatro.