Há muitas ruas onde mora pouca gente ou apenas população idosa, os mais novos “não se interessam” ou “vivem na parte nova da vila e não têm rua para enramar”. Os filhos dão uma ajuda mas o espírito de sacrifício e dedicação nem sempre é o mesmo. “Enquanto houve trabalhos mais simples, como cortar papel e arame, ainda vinham às vezes, agora as flores já dizem que não sabem fazer”, resigna-se Mariana Ginga, que veio ajudar o grupo da irmã, na Rua 25 de Abril.
Toda a ajuda é bem-vinda, nem que seja por breves momentos. “No outro dia passaram por aqui dois rapazes turistas, um português e um sueco. Puseram-se a espreitar, eu chamei-os e sentei-os a fazer flores”, ri-se Liberata Maria, um cigarro de pausa entre as flores da Rua Capitão Manuel António Vieira. “Ainda ficaram um bom bocado e até tinham jeito.”
Este ano, pela primeira vez, a entrada nas Festas do Povo será paga: 4€ por dia ou 10€ pelo passe de nove dias. “Os custos são muito elevados e neste momento, devido também há dificuldade em arranjar financiamento com patrocínios, não tivemos alternativa”, justifica João Rosinha. Parte servirá para cobrir a despesa, outra reverte a favor de instituições do concelho. “Possivelmente ficamos com algum remanescente para organizar já as próximas”, “talvez para 2019 ou 2020”.
“Uma noite só nossa”
“Até parece mentira / Feitas de noite ao serão / Mas que lindas florinhas / Mas que lindas que elas são.” A voz de Fátima enche a sala de aula, amaina o restolhar dos papéis enrolados em grão-de-bico para fazer fiadas de flores para os tectos. Por breves momentos há quem marque o ritmo com castanholas, mas logo se envergonha, outras vão repetindo os versos baixinho. Fátima actualiza a data da quadra seguinte e continua. “A 22 de Agosto / A vila acorda mais bela / E a camponesa sorri / Debruçada na janela.”
O típico “cantar às saias” de Campo Maior ainda acompanha alguns serões, mas será sobretudo durante as noites de festa que se fará ouvir pelas ruas da vila. Os grupos vão-se formando espontaneamente aqui e ali e seguem caminho, caso se encontrem há cantares ao desafio. “Às vezes viro-me para dar o tom [ao músico], começo a cantar e quando olho para trás a rua já está cheia de gente”, conta Fátima, tímida mas orgulhosa. Mariana Ginga não sabe cantar, diz, mas toca pandeireta, que aqui se enfeita de laços e berloques; acompanha castanholas, acordeões e guitarras. “Já a tenho arranjada e nas festas enquanto houver gente a tocar pela rua também ando”, ri-se.
Para os campomaiorenses, é na véspera que tudo verdadeiramente começa, com a longa noite da enramação. Durante o dia, vai sendo colocado o esqueleto de paus e arames que suportará toda a decoração, mas só no velar da madrugada saem as flores à rua, o segredo de meses guardado até ao raiar das festas. Os familiares são chamados a ajudar, vêm amigos de fora. Chegam a ser 50 pessoas por rua. Há que atar cada fio de flores para formar o tecto, tratar da iluminação, pôr as cordas, as colunas, os candeeiros, os vasos de cartão.