Fugas - Viagens

  • Rui Gaudêncio
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Girona de muitas cores mas sempre medieval

A Praça da Catedral liberta-se da sua relativa exiguidade de pedra na ascensão por imensa escadaria que trepa ao lado de fachada austera medieval até ao templo — feições barrocas a culminar um processo de séculos que começou quando o românico era cânone e a ocultar a maior nave gótica do mundo —, no ponto mais alto da cidade. E dos mais simbólicos: em plena Força Vella, o nome dado à muralha romana original, que encerrava a cidade fundada para proteger a Via Augusta num triângulo. A rua que aqui chega guarda esse nome primevo e o testemunho da Girona judaica (a partir do século IX), já que estamos em pleno call, a judiaria, que de centro vital do quotidiano judeu (com talho, peixaria e padaria kosher, três sinagogas, hospital, casa de caridade, orfanato) se transformou em gueto, a partir do século XIV e até à expulsão dos judeus de Espanha no final do século XV. Estas memórias guardam-se no Museu da História dos Judeus na Catalunha, no Centro Bonastruc Ça Porta, como era conhecido pelos cristãos o mentor da escola cabalística de Girona e a maior autoridade rabínica do século XIII.

O prestígio da comunidade judaica de Girona na Idade Média pode ser comprovado num dos mais curiosos locais da cidade, os Banhos Árabes, num entorno medieval perfeito que há-de entrar por jardins arborizados em vários patamares (El Gallingants) e subir muralhas. Os Banhos Árabes não são árabes: são o único exemplar no mundo de balneários de estilo românico (final do século XII), ainda que construídos no modelo dos banhos andaluzes — os balneários ostentam uma estrela de David e, coincidência ou não, deixaram de ser utilizados no século XV.

Uma curta caminhada leva-nos à Basilica de Sant Feliu. Mais uma vez uma escadaria, desta feita com torre de aspirações góticas a que falta o pináculo. É aqui que fazemos a segunda incursão para a outra margem do Onyar, depois de na Rambla de la Llibertat termos descoberto uma passagem sob os edifícios até às casas do Onyar que nos conduziu à Pont de les Peixateries Velles, a ponte pedonal em “caixa” de ferro pintado construída pelo gabinete de Eiffel. Do lado do bairro Mercadal, o bairro de transição entre a cidade velha e o centro de Girona, seguimos à beira-rio de olhos postos nas célebres casas, passando a ponte “da princesa” (oficialmente “d’en Gomez”) que chama atenção pelo elegante arco e, sobretudo, pelos cadeados que ornamentam as suas grades — não é tão intenso como a parisiense Ponte das Artes, mas o motivo é o mesmo, o amor-até-que-a-morte-nos-separe.

A Praça da Independência abre-se imediatamente após e o seu nome deve-se à Guerra Peninsular, em Espanha também conhecida por Guerra da Independência de Espanha. Foi construída no final do século XIX em estilo neoclássico — os edifícios que a rodeiam em simetria perfeita têm largas arcadas que constituem uma galeria preenchidas por restaurantes e cafés, o que faz desta praça um ponto de encontro incontornável.

Durante séculos, neste local ergueu-se o convento de Sant Agustí que dá nome à ponte que atravessa novamente o Onyar. E nós atravessamos com ela, no ziguezague entre as duas margens desta cidade que vive sobre rios e tem a sua Praça da Catalunha sobre este mesmo Onyar, que reflecte o intenso cromatismo do casario e é, portanto, o espelho da nova Girona.

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