Fugas - Viagens

  • Rui Gaudêncio
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Girona de muitas cores mas sempre medieval

A Costa Brava também é habanera e o interior toscano

Percorremos as estradas da província de Girona como se fosse a Toscana, chegamos à costa e ouvimos Cuba. A cidade de Girona pode já não ser apenas um ponto de passagem, mas não há como negar que continua a ser um bom ponto de partida: para os Pirenéus, para a Costa Brava, para os interstícios que são a ruralidade suave a contrastar com os extremos geográficos. Não chegamos aos Pirenéus e não largamos completamente essa Costa Brava, assim chamada em 1908 pelo jornalista Ferrán Agullo, para sintetizar as paisagens indómitas e grandes falésias que recortam o litoral gironense e que, entretanto, ganhou força de denominação turística: a Costa Brava é o paradigma do litoral catalão e cabe toda na província de Girona.

Uma advertência: a Costa Brava é melhor percorrida de carro, só assim nos podemos entregar de corpo e alma aos seus caprichos, tantas são as encruzilhadas e nas quais adivinhamos uma surpresa no final. E a verdade é que quase sempre acertamos — é difícil errar neste território de baías escondidas, penhascos abruptos cobertos de árvores e sempre as águas turquesa e esmeralda do Mediterrâneo como horizonte. E, já que estamos com avisos, outro: Agosto obriga a caminhar, e muito, quem quer ir à praia nestas paragens, sobretudo se esta é numa das muitas enseadas (as calas) que aqui se escondem porque estacionar não é tarefa fácil.

A caminhada por Calella de Palafrugell é longa, mas não tanto pelo estacionamento longínquo. Esta pequena vila piscatória, refúgio desde há décadas da burguesia gironense e resort afamado, revela-se ao longo de sete pequenas praias, que se sucedem quase ininterruptamente, cada uma com personalidade própria — cada uma o seu mundo. Nós atravessamo-las sem pressas, com os pés na areia ou nos labirintos dos bairros que encontram o mar. Se tivéssemos de eleger um centro em Calella seria a praia de Port Bò e confessamos que é pela arquitectura que monta um dos cenários mais pitorescos da Costa Brava.

O branco domina e pinta arcadas (Les Voltes — uma imagem de marca) dos edifícios onde outrora os pescadores se abrigavam da chuva e hoje se come e bebe em esplanadas. É um passeio marítimo de pórticos, que se interrompe em pequenas pracetas também sobre o mar onde os restaurantes e cafés continuam a dominar. Há uma languidez palpável quando a temporada não é alta e na praia ainda se pode circular com desenvoltura — e alguma melancolia quando as habaneras soam, herança de emigrações de outrora em direcção a Cuba, de onde os “indianos” (como se chama aos que voltaram das paragens americanas) trouxeram esta canção crioula que floresceu em terra de marinheiros.

Os barcos, pequenos, de madeira branca e risca colorida, espreguiçam-se ao sol depois do trabalho madrugador, redes estendem-se e consertam-se em curtas línguas de areia abertas entre rochedos rasos. E já estamos junto às casas que não descolam do mar e se fazem multicolores, trocando-o, portanto, pelas vielas molhadas de maresia até desembocarmos em nova praia, mais longa. Canadell é uma rua de casas “indianas”, brancas, acastanhadas, salmão (e uma distintivamente vermelha, a casa de Verão da família do escritor Josep Pla que no seu Caderno Cinzento deixou memórias abundantes dos seus dias aqui), diante do areal, que desce o suficiente para sob a rua se terem aberto abrigos para os barcos, que, com as suas portas de madeira, são a “parede” colorida da praia, que como todas por aqui tem areia dourada grossa.

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