Voltando ao ponto de partida e seguindo para sul, a praia En Calau é o prolongamento natural de Port Bò, com arcadas como moldura e restaurantes e pequenas lojas como entretenimento. E aqui deixamos a areia para seguir pela rua contornando os rochedos — descemos em Port Pelegrí, uma pequena e idílica enseada, aninhada contra falésias, com escola de mergulho e restaurante meio escavado na rocha que no Inverno chega a ficar totalmente inundado e onde um dos pratos mais recomendáveis é o célebre arroz negro da Costa Brava (“paciência” é o segredo, diz-nos o proprietário, para que o arroz com carne de porco, salsichas e calamares ganhe a cor – emprestada pela cebola confitada e que pode ser intensificada com tinta de lulas).
Ao fundo, num dos pequenos promontórios da costa, vê-se Cap Roig, célebre pelo festival de música e pelo jardim botânico que lhe dá aquele ar de taça verde sobre as escarpas. Aos pés, nova praia, mas nós já estamos a seguir para norte, de carro. Aiguablava, em Bégur, é o nosso destino. Aigua Dolça, Aiguafreda, Sa Tuna, Sa Riera, são praias e enseadas por onde prosseguimos nestas curvas e contracurvas costeiras mas em Aiguablava descansamos. “Água azul” chama-se, mas o esmeralda também se intromete — ou então são os reflexos da vegetação que trepa pelas colinas que abraçam a enseada (e terminam num parador de construção polémica mas vistas imbatíveis). A praia é como uma toalha dourada estendida à beira do mar tranquilo, embalando pequenos veleiros que aqui lançam âncora ou sulcado por pequenos barcos de madeira, vindos do pequeno porto vizinho de Fornells, onde as casas se penduram sobre o mar.
E com o mar a alguns quilómetros, Girona, aqui na região do Baix Empordà, é então uma espécie de Toscana, paisagens doces de colinas suaves e verdes que se desdobram em matizes variados, onde se aninham aldeias que o tempo esqueceu — e reencontrou. Às vezes reencontros com uma distância saudável, como em Peratallada — o nome diz tudo, “talhada na pedra” — onde os carros ficam à porta da “pedra”, do lado de cá do fosso. É a antecâmara para o regresso ao passado medieval, que foi lustrado nos últimos anos, contam-nos, bem depois de ter sido declarado Conjunto Histórico-Artístico (1975).
Se a pedra dourada hoje brilha resplandecente, há 20 anos estava absorta nas suas memórias. As muralhas, as casas, o empedrado — o antes; as lojas, os restaurantes, bares, casas de hóspedes por detrás de caixilhos de madeira colorida e turistas a tirar fotos nos recantos mais pitorescos — o agora. Na Praça Maior descanso em esplanada; para trás, torre de menagem, alcáçova, igrejas, capelas. O todo completa-se com mais vielas sobrevoadas por pontes cobertas que unem casas de pedras desirmanadas, por vezes tela para trepadeiras indisciplinadas, lojas de artigos mais ou menos esotéricos e os omnipresentes recuerdos.
Esgotado o recinto amuralhado, uma igreja no exterior. É medievo puro esta igreja de Sant Esteve, românico dos séculos XII e XIII, com cemitério adjacente, murado na mesma pedra gasta pelo tempo e guardando lápides e capelas donde há muito desapareceram nomes. Salvador passa horas por aqui, na casa que herdou do pai, uma das poucas perto da igreja, uma elevação paralela à da aldeia. “Cultivo tomates e enquanto não crescem as pessoas pensam que é marijuana”, conta, entre risos. Fala primeiro em inglês, adivinhando-nos turistas, aprendido quando há 45 anos emigrou para Inglaterra. Aí era o Sam e casou com uma escocesa, com quem vive a “20 minutos daqui, na costa”. “Não a consigo arrastar para Peratallada”, lamenta. Mas pouco. Depois de muitos anos a trabalhar em Inglaterra, alguns outros passados em viagens a França, a Catalunha, aqui ou na costa, é a sua casa. “Aqui sou catalão e espanhol”. E não há muralhas que o prendam.