Fugas - Viagens

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Madagáscar: Não é nada fácil chegar até aqui, mas mais difícil é partir

Ao lado do hotel, para quebrar a monotonia, jogo futebol num relvado que é mais um ervado, com os jovens da aldeia que vestem camisolas de todos os clubes mais importantes da Europa, como alguém que carrega um sonho que nunca passará disso mesmo. Há um menino loiro, pouco habilidoso, que também se junta e a quem eles chamam, por entre muitas gargalhadas, dez mil ariary, como se aquelas pernas nada mais fossem do que uma unidade monetária.

Quando o ocaso está prestes a anunciar-se, caminho, quase sempre entregue à minha solidão, por pequenos trilhos por entre um mar verde de arrozais, observando as mulheres lavando as suas roupas e os utensílios de cozinha num riacho, vendo os meninos misturados com as meninas jogando à macaca, visitando uma escola, recebendo uma flor de uma criança com uns olhos tão vivos, acompanhando com o olhar os anciões nas suas tarefas agrícolas, vivendo a vida como a vida é vivida por aqui.

De quando em vez, como alguém que se cansa de morar no paraíso, acompanho os empregados do hotel, de barco, até à ilha de Sainte Marie: eles vão comprar o que é apenas necessário, eu limito-me a errar por perto, sem rumo, observando a natureza, as árvores com os seus troncos que não se conseguem abraçar e os seus ramos onde não cabe nem mais um pássaro, multiplicando os silvos como uma orquestra desafinada. E volto, pouco tempo depois, até ao meu pequeno lugar que podia caber no céu, esperando que as cores crepusculares tombem sobre a praia deserta e de onde apenas se avista um pescador solitário lutando, ao largo, no mar que brilha como um milhão de espelhos, pela sua sobrevivência.

O reencontro

Uns dias mais tarde, sob um céu vestido de múltiplas cores que anunciam a alvorada, deixo, imbuído de um sentimento de pena, a simplicidade e a humildade das gentes da Île aux Nattes para trás. Comigo, na piroga que me conduz a Ankarena, já em Sainte-Marie, a ilha cuja forma sugere uma mulher grávida deitada, pouco mais levo do que uma doce memória e a esperança de um dia voltar a reviver esta existência singular e despretensiosa.

O ferry, partindo de Ambodifotatra, sulca as águas do Índico e, após uma hora e um pequeno susto (um pedaço de madeira que por pouco não provocava danos no motor), abranda a sua marcha acelerada e atraca, ao início da manhã, já sob um céu azul, no rudimentar cais de Soanierana-Ivongo. Disponho ainda de algumas horas, tomo o pequeno-almoço no modesto hotel que me abrigara e pergunto, mal me sento, pelo menino surdo-mudo, a quem gostaria de oferecer algumas das minhas roupas que não me fazem falta.

- Deve andar por aí, diz-me uma jovem com um bonito chapéu rendilhado de abas largas que lhe desenha sombras geométricas sobre o rosto.

A manhã avança e o autocarro está prestes a partir para Toamasina e para ele caminho ao longo da rua esburacada e de terra batida. À direita, avisto um pequeno e básico carrinho de madeira carregado com malas de turistas. Nesta tarefa, que rapidamente se esgota, participa o miúdo, de costas para mim. De repente, vira-se e, reconhecendo-me, corre na minha direcção para me abraçar.

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