As únicas certezas que temos é que aqui quase nada está por acaso e que sozinhos nunca sairíamos deste labirinto de pistas e de obstáculos. Temos de confiar uns nos outros — até porque foi isso que nos trouxe cá. E a verdade é que a confiança compensa. A pouco e pouco, algumas peças vão-se encaixando. Há quem seja muito bom a guiar-nos pelo caminho certo e quem seja muito bom a desviar-nos de falsas pistas, quem consiga surpreender-nos com soluções tão evidentes que mais ninguém viu e quem consiga sequenciar as partículas dispersas da solução de um enigma. Há quem nos salve pelo humor, pela inteligência, pelo jogo de cintura, pela palavra, pelo gesto e até pelo olhar. E, assim, somos quatro e somos apenas um, um herói com quatro cabeças partindo enigmas para dar liberdade ao mundo inteiro.
O jogo atinge momentos aventurosos, aqui e ali até com um toque cinematográfico. Esta é a nossa ilha paradisíaca tornada um inferno e temos que sair daqui. Tal como a imaginação é a extrema liberdade, a memória é a grande viagem e — enquanto alguém salta para ali e clica num interruptor ou alguém se vira subitamente e agarra um despojo conseguido à luz de um golpe de génio —, há sempre alguém que se deixa vaguear pelas recordações de outras aventuras viandantes; quem por momentos vislumbre a bola para a frente da Fuga para a Vitória, o esvoaçar infinito de Papillon, o estridor houdini de Prison Break, a lógica e muita física (e química) de Perdido em Marte; ou quem já sonhe com túneis escavados à El Chapo ou Pablo Escobar. Será que devíamos ter trazido colheres escondidas na algibeira como o trio de Alcatraz?
Há sempre alguém que se dispersa na vã procura de respostas longínquas para problemas tão perto. Daí o prazer de nos sentirmos este monstro de quatro cabeças. Quando um pára, outro move-se. Quando um desliga, outro liga. Ainda assim, falha-nos a rapidez rotineira de quem está habituado a estas andanças e quando escapamos da sala já se somam quinze minutos ao relógio. “Só 10% das equipas que aqui chegam sem nunca terem jogado este tipo de escape games é que conseguem sair a tempo”, conforta-nos Carolina.
Quando saímos desta nossa ilha no Largo do Rato, voltamos a percorrer os olhos pelas fotografias de heróis, aventureiros e viajantes que ocupam o corredor. As engenhosas asas de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral, a audácia espacial de Gagarin, a everéstica ascensão de Edmund Hillary e o sherpa Tenzing Norgay; tudo lado a lado numa parede verde-esperança. Frente a eles estamos nós, a Alexandra, a Carla, o Luís, a Mara. Eles fizeram o nosso mundo a sério, confiaram em si próprios e nos seus, arriscaram a vida, arriscaram tudo em nome do que acreditavam, do seu desígnio, da sua viagem. Nós só tivemos que divertir-nos durante uns momentos, mesmo que dedicados de corpo e alma ao propósito que aqui nos trouxe, e, ainda assim, todos partilhávamos o secreto receio de não conseguirmos, de falharmos à nossa tribo — que, no caso, eram os restantes elementos da equipa, mais os outros e ainda uns bons milhares. No final, queríamos mais. Mais salas, mais desafios, mais oportunidades para trabalhar e confiar na equipa, mais daquele prazer de superação. É que, a dado passo desta nossa odisseia de faz-de-conta, todos chegámos à mesma certeza: não faz mal falhar desde que não se pare de tentar. Porque, se eu falhar, posso contar convosco para me amparar, certo? Afinal de contas, não é a confiança a base de toda e qualquer viagem?