Fugas - Viagens

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O arquipélago boreal

O rigor vem de cima

Quando ouvimos o disco do compositor, a sensação é a de uma cidade que corre, com a velocidade do metropolitano, dos muitos concertos e exposições, das lojas e ateliers de design e arquitectura, das bailarinas, dos que brincam na patinagem, dos que dão de comer aos patos, dos boémios, dos embriagados, dos que se tornaram psicopatas com as nuvens do Inverno. Mas apesar de correr, corre calma, plana, eficaz. Burocracia zero; rigor cem. Até os cabelos se querem rapados nos homens e lisos nas mulheres, para que os caracóis atrapalhem menos.

“Na primeira semana de aulas, eu tinha um pequeno ensaio com uma cantora, num feriado. Normalmente, as coisas acontecem como combinadas e com muito rigor horário. Mas, desta vez, recebi uma mensagem na noite anterior a dizer: ‘Amanhã não vou poder ir, porque é o último dia de Verão.’ Aquilo pareceu-me muito estranho, mas a verdade é que na segunda-feira seguinte a estação mudou radicalmente. Foi aí que eu percebi a importância das estações no Norte, ao ponto de as pessoas se fecharem muito no Inverno, em cápsulas, e no Verão, nas noites brancas, ser a loucura, porque querem viver”, relata o músico, entrando na matemática das estações, que não se desviam nem se atrasam.

Passeia-se, ainda assim, sem relógio pelas ruas cuja cultura é o negócio da Escandinávia. Empresários a accionar o pedido no restaurante por comandos electrónicos, hambúrgueres de salmão e limonadas com hortelã “bio”. Crianças louras fugidias, malas Chanel e chupa-chupas, mulheres a passear a cavalo na pastagem da cidade. “Atravesso a ponte e vou para o trabalho”; “Apanho o barco e chego à reunião em seis minutos”; “Falta-me comprar um divã marron para a sala”, dirão elas ao telefone, de saia travada (se a saia travada estiver na moda). Nas ilhas, há toalhas de piquenique e miúdos de tons pastel a sujar as calças na relva (a média nacional de filhos por cada mulher é de 1,91 – uma das mais elevadas da Europa – e a expectativa de vida é de quase 82 anos). É a cidade “perfeita”, um postal ilustrado onde cada edifício se pinta por viver junto do outro (precisamente aquele outro, e não outro), planície de reis e princesas, não crescesse a Suécia num sistema de monarquia constitucional, uma das mais antigas do mundo.

É “o norte brumoso de dias brancos e noites eternas”, como lhe chama Filipe Raposo; o lugar onde as pessoas querem correr, nadar e fotografar desmesuradamente, como nos contaria Magnus, engenheiro electrotécnico que vive num estúdio hermeticamente organizado não muito longe do Estádio Olímpico. “O que mais fascina em Estocolmo é a diversidade – um bairro para a vontade com que acordas em cada dia – e a própria oferta da natureza”, enumera. “E o poder de compra?”, provocamos. “Dá para facilitar essas vontades, sim”, assume Magnus, de Moët & Chandon na mira da boca.

A odisseia

Norrmalm, Gamla Stan, Södermalm, Östermalm, Kungsholmen, Hammarby Sjöstad, Farsta, Bromma. Ao todo, são 118 bairros e 14 ilhas para treinar a pronúncia. “Lembrem-se dos filmes de Ingmar Bergman e repitam comigo”, dirão as professoras de sueco. Para conhecê-los de tacto, entram os barcos, os túneis, pontes, avenidas modernas, esquinas medievais, pães de todas as sementes, bibliotecas que parecem concertos de piano, cafés voltados para a água, parques e jardins, arranha-céus no horizonte, casas de vidro e pequenas florestas, ao virar de uma loja de telecomunicações ou de um novo café trendy. Tudo escrupulosamente aprumado, mas não quadrado. (Terceiro apontamento: “Passear pelas ruas com a sensação de que as montras escondem o caos.” E assim surgem as primeiras casas de discos, livros e velharias sem ordem possível, vernissages com músicos bêbedos, amantes do metal, ladrões de vodka.)

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