Ana Cepeda Alves, publicitária, que visitou a capital nórdica dos dias longos de Agosto, descreve melhor: “Seria tudo quadrado não fossem os rectângulos das janelas a abrir para candeeiros bonitos e plantas largas, coisas de se esticar o pescoço, a ver, a ver se apanhamos as prateleiras ‘string’ e a linha do aparador…” Cá fora, “as avenidas novas, enormes, quadriculadas, alinhadas numa tri-go-no-me-tria toda no sítio. Mas com cheirinho a bairro”, continua. E o que cresce no bairro? A vontade de entrar nas lojas de design só para ver (até porque os preços são, para muitos portugueses, proibitivos), no Verão; a vontade de entrar nas lojas de design só para aquecer, no Inverno. Um conforto. “Os cinzas e os castanhos todos da Kinfolk”; “a sensação de que se vive bem, de que afinal a felicidade está nos nórdicos”, entusiasma-se a viajante, para quem Estocolmo poderia muito bem ser “uma Paris com mais dois palmos em cima”, sendo que em cima estão os edifícios portentosos, os grand hotels, os grand palaces, os bancos, os museus, as casas.
Como diria o namorado, João Lourenço, engenheiro apaixonado por música e design, “mais do que ter isto, aquilo ou aqueloutro, Estocolmo tem qualquer coisa de inexplicavelmente apetecível”, como se a cidade tivesse ganho “densidade ao longo de muitos séculos de maturação”. “As pessoas sempre viveram bem, havia dinheiro, havia cuidado e bom gosto, havia tempo. Então foi sendo construída uma capital europeia harmoniosa no seu todo”, analisa. Depois, vêm “a língua, a sonoridade da língua”, “os parques, jardins, pequenos bosques, no centro da cidade, de passagem, para parar, ler, piquenicar, descansar, o que apetecer”. E a “itinerância das ilhas”, como lhe chama João, ou a “festa temática” que de cada uma delas decorre, complementa Ana Alves.
Tudo isto, assim, soalheiro, com cheiro a Verão. Mas no Outono, das cores que nenhuma paleta de pintura saberia dizer, e no Inverno, de uma escala de brancos infindável, Estocolmo é outra. A do silêncio, das pausas nas deambulações e experimentações do jazz (Filipe Raposo lembra que a Escandinávia, especialmente Estocolmo, foi um ponto de passagem muito importante de músicos norte-americanos. “Há muitas gravações dos anos 1940, 50 e 60 nas televisões suecas; e havia público.” Daí o peso da cultura jazzística na cidade), das mãos queimadas do gelo a receber o vapor das palavras, das velas, das casas de algodão enquanto neva lá fora, novamente o fika para aquecer as mãos e a alma. O silêncio de um país de pacifistas onde se inventou a dinamite (pelo génio de Alfred Nobel, o fundador dos prémios mais reconhecidos no planeta). No Inverno, lembrem-se, os lagos e canais são para patinar.
Ah!, o Fotografiska
“O Fotografiska não é um museu vulgar”, avisa a página da casa que acolhe a fotografia com vénia e veludo em Estocolmo. Não é vulgar, nem expectável. Com quem quer que se fale sobre a capital sueca, há um momento em que a conversa é tomada pelo silêncio. Logo se inspira e vem o suspiro: “Ah! O Fotografiska!” Entrar neste lugar de olhos postos no lago é um mergulho no silêncio de dezenas de imagens falantes. Param por aqui grandes nomes da película internacional e da magia sueca, como Christer Strömholm, o artista que não percebia nada de câmaras mas que desenhava com elas as sombras densas do mundo e dos homens. (Quarto apontamento: “No Inverno, Estocolmo é a preto e branco.”)