Uma vez vi a Amy Winehouse, estava eu a fazer um atalho em Camden, o agitado bairro londrino onde a cantora ia regularmente. Tinha ao lado uma jovem e posava com ela para as fotografias. Feliz, sorrindo para a câmara, contente por fazer com que alguém tivesse ganho o dia.
Essa cena veio-me à memória quando “Amy”, o comovente documentário de Asif Kapadia sobre Winehouse, uma rapariga perdida com uma voz incrível, venceu o óscar de melhor documentário, no mês passado.
Há 15 anos que vivo e trabalho à volta de Camden. Não posso dizer que os sítios por onde Amy andava eram os sítios por onde eu andava, mas partilhávamos as mesmas ruas. Foi aqui que ela foi encontrada morta [a 23 de Julho de 2011], vítima de intoxicação alcoólica, aos 27 anos.
Mas a reputação musical de Camden não começou com Amy. Intrigado com o legado musical do bairro, decidi fazer uma visita guiada a pé na companhia de Mike O’Hara, da Unseen Tours, uma empresa sem fins lucrativos que envolve antigos sem-abrigo no acompanhamento de turistas nos seus passeios por Londres.
O “Mike Estiloso” disse-me que teve uma carreira de algum sucesso como manager na “city” (aquilo a que os londrinos chamam de bairro financeiro), mas que perdeu o emprego e o seu apartamento alugado com a crise financeira de 2008. Depois de dar algumas aulas de inglês no Vietname, voltou a Londres mas não conseguiu arranjar trabalho. E depois de esgotar a boa vontade dos amigos, encarou a possibilidade de passar a viver na rua. Uma pequena organização de caridade que organiza abrigos nocturnos nas igrejas locais ajudou-o a alugar um estúdio, com uma renda comportável.
O tour do Mike começa na estação de metro de Chalk Farm, onde, no bar Marathon (uma casa de kebabs com licença para estar de portas abertas até tarde), se faziam jam sessions durante toda a noite. Podíamos lá encontrar Paul Weller, Jarvis Cocker ou Keith Richards a tocar em sessões acústicas espontâneas, ou a própria Amy em jogos de bebidas com os irmãos Gallagher (dos Oasis) e os White Stripes.
Mike diz que às vezes saía com a Amy e iam ao sítio favorito dela, o Hawley Arms. Não a conhecia bem, mas eram conhecidos que se movimentavam pelos mesmos circuitos. “Uma miúda encantadora, mas a fama atingiu-a”, diz com tristeza.
A história musical de Camden começa com a Roundhouse, construída em 1846. Era um armazém de apoio à construção ferroviária e quando os comboios se tornaram demasiado grandes foi convertida num armazém de gin. Depois da Segunda Guerra Mundial passou por um período de abandono, mas foi reabilitada como centro artístico na década de 1960. O Mike diz-me que nos seus primórdios os Pink Floyd fizeram aqui um concerto, com Paul McCartney e Mick Jagger na assistência. Seguiram-se Jimi Hendrix, os Doors, e centenas de outras bandas de sucesso – e mais recentemente Lady Gaga (2013) e Pharrell Williams (2014).
Eu era a única pessoa na visita do Mike daquele dia, mas ele disse-me que em média o grupo é de cinco pessoas. As visitas têm de ser marcadas com antecedência e custam 12 libras (15,5 euros) por pessoa, das quais 60% vão para o guia.