Fugas - Viagens

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Mais irreal que as noites brancas

Ainda antes, talvez cruzemos o bairro de Arabia, de edifícios espelhados, praças vazias e amplas, telhados oblíquos, céus que se prolongam azuis no vidro recto, aberto, pós-industrial. São tantos os reflexos e transparências que é ver a dobrar sem ter bebido um único trago de Ström, o néctar-vodka extraído de batatas finlandesas.  É este o gabinete-musa de criativos, artistas, designers. Todo ele a céu aberto. A herança foi deixada pelos suecos, que aqui instalaram a fábrica de porcelana Rörstrand, no século XIX, que ainda hoje funciona – sob o nome de Fiskars – e está aberta a visitantes. Ao lado, ficam as melhores lojas de design de Helsínquia e a Universidade de Arte e Design de Aalto; e em baixo cruzamos Majstranden, a costa, ah!, a costa.

 

“Trendyficação”

Mas a zona – historicamente operária – de Kallio é que está a dar, assegura a juventude, ainda que com algum receio de que esteja “a dar demasiado”. “Os bares de cerveja barata, as cantinas dos trabalhadores e outros estabelecimentos menos trendy estão a desaparecer e a ser substituídos por cafés, boutiques, restaurantes, escritórios… Com isso, os preços [da habitação] têm subido”, descreve Anna Sinkkonen, de 38 anos, tradutora freelance e professora de Inglês.

A gentrificação chegou à capital finlandesa e com ela a necessidade de construir mais lugares para morar à margem das zonas centrais. Como relata Juha – deslocada de Jyväskylä, a viver em Helsínquia há seis anos –, “estão inclusive a planear construir em áreas naturais selvagens”. “A população está a crescer, é certo, mas se viver aqui é caro, vai tornar-se ainda mais.”

         Por enquanto, não podemos preocupar-nos com isso. De passeio, os dedos treinam-se na tarte de arenque para a boca se lambuzar numa outra: a de mirtilos. Estamos à mesa do Taikalamppu, a brincar com as franjas de uma toalha ao estilo dos anos 1920. O ambiente tem tanto de avó quanto de kitsch. Ninguém parece concordar mas insistimos: em Helsínquia, o limite entre o bom gosto e o pindérico é ultrapassado umas quantas vezes. “Não. Somos profissionais do design”, protesta Inna. “Há coisas à moda antiga, sim. Como os bares de cerveja junto ao porto ou os pubs onde já não vai ninguém da nossa geração. São frequentados pelos mais velhos, porque nós vimos sobretudo para Kallio ou para Hakaniemi, zonas mais alternativas, criativas, onde a liberdade gerou espaços de cultura e cafés como este: com tartes caseiras e louças vintage que reflectem um olhar moderno”, estende a conversa. Inna tem uma certa razão, mas as toalhas continuam a ter franjas.

É também em Kallio que se encontram as últimas saunas públicas da cidade (a sauna é praticamente considerada um bem primário na cultura finlandesa, pelo que muitas famílias têm-nas em casa). Por sete a doze euros pela entrada, o tempo e a resistência aos mais de 90° C são por conta de cada corpo. “Arla Sauna”, indica a sinalética, e mal chegamos é hora de contar. Um, dois, três: todos nus. Quatro, cinco, seis: suemos. Lá fora, não há neve nem lagos gelados para o choque térmico. “Deve utilizar os chuveiros de água fria”, aconselha a funcionária. Aquiescemos. E já entre vapores, encadeiam-se as deixas aleatórias em inglês: “Chegaram a nascer bebés nesta sauna”, lança uma mulher na casa dos 50 anos, enquanto passa mel sobre o corpo; “eram os lugares mais esterilizados que tínhamos”, adiciona outra.

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