Sede de Báltico
Procuramos no mapa escancarado a melhor forma de chegar ao mar, ou melhor, a Suomenlinna, as ilhas que fazem brilhar os olhos dos habitantes de Helsínquia. O mapa permanece escancarado e nós sem vermos. “Precisam de ajuda?”, pergunta um homem de gabardine negra. É o terceiro a meter conversa assim que vê um mapa a desajeitar-se em relação ao território.
Suomenlinna é considerada Património Mundial pela UNESCO. Vai-se de ferry e, quem sabe?, não se volta. “É uma fortaleza, o lugar onde nós, os nórdicos, andámos a disputar o Mar Báltico”, explica o cavalheiro, para que mais tarde lêssemos que também lá ficam a Escola Naval e algumas galerias de arte.
Mas o sol não tarda a pôr-se. Há um eléctrico pelo meio, o barco depois. Deixemos para amanhã, que os pés precisam de deambular e os candeeiros já acordaram. Além disso, Juha havia-nos confessado que “há segredos mais bem escondidos que Suomenlinna, como a ilha de Vartiosaari ou a área protegida de Vanhankaupunginlahti. No Verão, o Blue Villa Café tem a melhor vista sobre a cidade, e o Café Regatta fica junto ao mar”, garante a jornalista.
Parecem querer fugir da cidade mas nós queremo-la connosco. Afinal, foi para isso que cá viemos. Na baixa, os edifícios são grandes, a começar pela catedral e a culminar nas bibliotecas. As cabeças voltam-se para cima e os queixos lá vão caindo. Kaisa-talo dá-nos a primeira grande “queixada”. Curvas e contracurvas, e um rasgão de janelas com pessoas que lêem lá dentro. É a biblioteca da universidade, onde iríamos encontrar Riitta Supperi, de 41 anos criados na cidade do vento.
Riitta é fotógrafa e está a conduzir um projecto documental em que explora a sua cidade buscando-a noutras pessoas. “Pedi a habitantes de Helsínquia que me mostrassem os seus lugares favoritos e fotografei-os lá”, explica. Da série de retratos sairão canais de água, florestas, chalés, casas de madeira, casas de vidro, casas de betão, bares com bolas de espelhos, ruas largas, becos históricos, o mar.
“Helsínquia é um lugar compacto”, resume Riita, exemplificando: “Eu raramente vou a um parque, como fazem os nova-iorquinos, por exemplo. Quando corro, não tenho de esperar muito para encontrar uma floresta densa. Em poucos minutos, chego a Töölönlahti, logo junto à água.” E não é Riita que corre rápido; é mesmo Helsínquia que ainda tem alma – e geografia – de cidade pequena. Também é compacta porque, “como a Finlândia é tão isolada e pouco populada [tem a terceira menor densidade populacional da Europa, atrás da Noruega e da Islândia], toda a cultura tende a focar-se num só lugar”, entende a fotógrafa. Esse lugar até poderia ser esta biblioteca, ou as restantes da cidade, sempre povoadas.
A viver Helsínquia em vez de lê-la, compramos um pulla na rua, o bolo que nos faz chegar cardamomo ao nariz. Apetece voltar a descer para sentir o mar em Kauppatori, a zona portuária. Se pudéssemos escrever o som da buzina de um navio, as letras ficariam aqui afogadas, a ocupar todas as páginas, nas três notas de despedida. Neste trecho do Báltico, não há lenços brancos nem viagens longas. Uma boa parte dos navegantes embarcam para a vizinha Talin, de maleta na mão. Ou porque são estónios e regressam a casa no fim da jornada, ou porque são finlandeses e vão à Estónia beber (mais em conta) e dançar em bares pós-soviéticos ou discotecas onde reina a mini-saia. Imagine-se, sem letras, o som da buzina, que o barco vai partir.