Fugas - Viagens

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De um tempo otomano que aqui ficou

Mas há, à margem dessa polémica, uma infinidade de espaços capazes de suscitar a curiosidade de visitantes menos possidentes, a começar pelas muralhas da cidadela, que certamente terão ajudado a ditar, em 1799, o fracasso do cerco imposto por Napoleão. Akko detinha uma posição estratégica, entre o Egipto e a Síria, e o general francês (que apenas se faria imperador em 1804), considerava o domínio da cidade uma peça indispensável para os seus planos de lançar uma revolta na vizinha Síria e apressar a derrota do Império Otomano.

Mesmo a mais forte onda se desfaz em espuma: é o que podemos atestar aqui de cima das muralhas. Com o Mediterrâneo aos pés, avistamos, a sul, a baía de Haifa. Para nascente, estende-se o centro histórico de Akko e os seus tesouros: a mesquita de Al-Jazzar, a terceira maior de Israel e guardiã de uma relíquia de Maomé, diz-se, os souks (mercados), que são vários e se juntam a um Bazar Turco, reactivado há alguns anos depois de décadas de abandono após a ocupação de Akko pelos israelitas em 1948, os repousantes Jardins de Bahai, o ainda pitoresco porto de pesca e os restaurantes abertos à luz e ao vento por ali perto, a pousada (caravanserai, em persa, e khan, em turco) de Khan al-Umdan, a maior e mais bem preservada estrutura do género no país. E, cenário não menos significativo desta milenar povoação, o modelar skyline de Akko, com os seus vários minaretes e torres de igrejas erguendo-se de entre o casario ou atrás das muralhas da cidadela.

Messaharati cristão

Não são apenas as pedras a escorar a identidade deste recanto do Médio Oriente, que terá começado a respirar civilizacionalmente talvez há uns quatro mil anos pela mão dos fenícios. Sentamo-nos à mesa e é um pouco de história da região que nos servem nos pratos — no coração do mercado encontramos café turco, deliciosas sobremesas de inspiração otomana, como a baklava (um pastel feito de pasta de nozes com pistacho, avelã, sésamo, mel e especiarias) ou o knafeh (um doce árabe muito apreciado no Ramadão, feito de massa fina com queijo, nozes e mel). Podemos alinhar também numa espécie de peregrinação gastronómica algo famosa em Israel — se tivermos paciência para a por vezes longa fila diante das portas de cor azul-turquesa do restaurante Humus Said. O nome da casa e a aura popular dizem-nos que é um dos locais onde se pode degustar um bom hummus em Akko. O hummus  (pasta de grão com azeite, alho e limão, taíne e especiarias, muito popular no Médio Oriente) traz por companhia outras especialidades da região, como o pão árabe, e à nossa volta as mesas estão sempre cheias de uma variedade de gente que não é de postal, nem de livralhada ilustrada, nem de assépticas teorias académicas. A minoria árabe cristã e muçulmana representa quase 20% da população de Israel e são muitos os dias em que — apesar das persistentes e conhecidas tensões nos territórios ocupados da Palestina — muita gente diversa entre si se mostra plenamente capaz de coisas tão simples como o respeito mútuo, a convivência, a coabitação cordial. Falar de Akko significa, aliás, falar também de aspectos demográficos que identificam toda a região e com os quais o estado israelita e a sua população têm que lidar. Na cidade, a comunidade judaica corresponde sensivelmente a 70% da população, sendo os restantes 30% repartidos maioritariamente entre muçulmanos, cristãos e alguns drusos.

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