Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro

Continuação: página 3 de 6

Cuenca, a cidade com queda para o abismo

Desde tempos de antanho que a vida em Cuenca sempre se desenvolveu em redor da Plaza Mayor mas com a tomada da cidade, nesse último quarto do século XII, os judeus passaram a ocupar a Calle de Zapaterías, enquanto os muçulmanos ficaram relegados ao seu bairro, na zona da Mangana, onde espero chegar lá mais para o fim da tarde.

 

O bairro do castelo

Partindo da praça e seguindo ao longo da Calle de San Pedro, vou primeiro ao encontro da parte mais alta de Cuenca, o Bairro del Castillo, durante muitos séculos a principal artéria da cidade, com as suas casas senhorais e magnificentes igrejas e conventos, entre eles o das Carmelitas Descalças, um edifício que é justamente considerado como um dos mais belos de toda a urbe e hoje ocupado pela Fundação Antonio Pérez, com uma importante amostra de pinturas, esculturas e livros. Até desembocar na Plaza del Trabuco, onde termina a Calle de San José e que é presidida pela igreja (data do século XV e terá sido a primeira a ser construída na cidade) também dedicada ao santo, é inevitável que o olhar se pouse, com uma frequência fora do vulgar, em algumas das construções civis mais proeminentes de Cuenca, como a Casa Zavala e o Palácio de los Toreno ou o antigo Colégio de los Infantes de Coro, agora vocacionado para o ramo hoteleiro (ver Posada de San José no capítulo Onde dormir).

De tanto subir, fico com a sensação de que não tardo a esticar a mão e a tocar o céu. Chego, sem grande pressa, ao castelo, ou melhor ao que resta dessa fortaleza outrora inexpugnável, como o Arco de Bezudo, restaurado há pouco tempo, uma parte da torre e uns vestígios da muralha. Do miradouro, com uma panorâmica soberba, avisto, ao fundo, o Convento de San Pablo e as casas suspensas.

Como o pobre em frente ao prato, continuo a adiar a aproximação àquele que é o emblema da cidade.

Subo e, à esquerda, deparo-me com bonitas casas térreas banhadas pelo sol, algumas delas transformadas em restaurantes e cheias de gente grata pelo bom humor do Outono, num ambiente que talvez se aproxime mais do que qualquer outro daquele que Cuenca proporcionava há muitos séculos, cheio de carácter, com uma identidade própria, que não se respira em mais lado nenhum em toda a cidade. A partir daqui, olhando com respeito o abismo, o cenário magnetiza, o que se vê à distância, já envolvido pelas sombras, tem algo de assombroso, a ponte de San Pablo, outra vez o convento, outra vez as casas suspensas, com as suas varandas de madeira que parecem minúsculas.

Está na hora de descer, pelo menos até à Plaza de la Merced e, sem supresa, de subir uma vez mais, agora ao longo de umas escadas que conduzem, como se esse fosse o meu destino final, à Plaza de Mangana, palco do monumento da Constituição, um trabalho de Gustavo Torner, e da Torre Mangana, ocupando o lugar antes preenchido pela fortaleza árabe. Olho o relógio da cidade, também na praça, que me indica que é tempo de partir, de voltar a descer.

Da ponte de San Pablo, a evitar para quem sofre de vertigens, fito as casas suspensas, aproximo-me cada vez mais daquelas que constituíram, noutros tempos, uma solução para a habitação e embrenho-me por uma praça perfumada, grato pela intimidade que me transmite. A Plaza Ronda, no bairro que em Cuenca todos conhecem como San Martín, está a dois passos de algumas bonitas mansões do século XVIII e princípios do século XIX.

--%>