Com esta actuação, o bairro não só foi revalorizado como viu aumentar o número de empregos, a circulação de pessoas e afluência na zona de restauração na parte baixa, atraindo, por outro lado, artistas (desde os tempos do Califado de Córdova que Cuenca era conhecida em todo o Al-Andalus pela mestria dos seus artesãos) e estudantes de Belas Artes que, em conjunto com as associações locais — e beneficiando das excepcionais condições paisagísticas —, têm contribuído para que San Antón se tenha tornado nos últimos anos num local de visita obrigatória em Cuenca e não no bairro marginalizado no qual a simples menção do nome provocava temores entre a população.
Do Cerro de La Majestad avisto as casas suspensas. Uma vertigem.
Catedral única
Regresso à margem do rio mas logo depois caminho por uma zona mais urbanizada que me leva, sempre a subir, à Calle de Alfonso VIII, com as fachadas dos seus antigos arranha-céus, nenhum deles com mais de quatro pisos, pintadas de cores vivas, de amarelo, de pastel, de azul, de vermelho, e alguns dos seus passeios preenchidos por grupos de jovens de copo na mão, gozando da tepidez do sol outonal. Alfonso VIII cercou a cidade, ocupada pelos árabes, durante oito meses até que, finalmente, esgotou as forças dos habitantes encurralados, incapazes de resistir à fome e aos constantes ataques.
Reza a história que foi a 21 de Setembro de 1177, data em que se celebra San Mateo, que o rei entrou e colocou pela primeira vez um pé em Cuenca — e reza a lenda que foi um pastor, Martín Alhaja, a quem terá aparecido a Virgem, que permitiu a passagem dos cristãos pela porta de Aljaraz (por ser o único que a conhecia), nos dias de hoje rebaptizada como porta de San Juan e que marca o início da parte alta da cidade.
Transponho os arcos e a fachada de estilo barroco do século XVIII que embeleza o edifício da câmara municipal e penetro na praça que se começa a animar ao princípio da tarde e vai explodindo de vida até que a noite substitua o dia. A Plaza Mayor, verdadeiro coração de Cuenca e em forma triangular, é dominada pela fachada da catedral, que a esta hora resplandece sob os raios de sol, adquirindo uma tonalidade de mel. As esplanadas estão cheias, as mesas repletas de tapas e de bebidas, a atmosfera tem algo de festivo mas nada mais há para celebrar do que a vida, neste sábado de temperatura amena e à hora em que todos os espanhóis gostam de sair à rua para beber um copo. Quando planto um olhar mais demorado na catedral, fico com a sensação de que está ali não apenas para ser admirada mas à espera de que alguém, entre a multidão, se lembre de terminar as obras. Na verdade, a parte mais alta da catedral de Nuestra Señora de Gracia, erguida no século XII, está por concluir devido ao desabamento da torre sineira em 1902.
Alvo de frequentes renovações, a catedral, com o seu estilo gótico normando, é única em Espanha do género e esconde, no seu interior, elementos decorativos de grande valor histórico, como os seus vitrais, a sua dupla charola (deambulatório), acrescentada nos séculos XV e XVI, o arco de Jamete, a elegante porta renascentista que permite o acesso ao claustro e que é considerada uma das mais monumentais do renascimento espanhol em interiores e, finalmente, entre paredes que também abrigam duas dezenas de capelas, o coro, com uma escultura em alabastro da Virgem, obra de Giraldo de Flugo, e uma imponente grade assinada por Hernando Arenas, um grande conhecedor da arte de trabalhar o ferro do século XVI.