Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro
  • Sousa Ribeiro

Continuação: página 3 de 6

Albarracín, como um conto de fadas

 

Cristã sem guerra

 

A vida de Albarracín, sob o reinado de Abu Mohamed Hudail ou dos seus sucessores, não conheceu qualquer mudança até ao início do século XII, quando passou a submeter-se às ordens do reino árabe de Valência. Mais tarde, naquela que foi a primeira vez durante a Reconquista em que não houve necessidade de recorrer às armas, Albarracín, eternamente desejada por aragoneses e castelhanos, foi tomada pelos cristãos graças a um pacto no mínimo bizarro, em que o rei Lobo de Valência y Múrcia oficializou a cedência do território a Pedro Ruiz de Azagra, um ilustre cavaleiro navarro. A medida revelava-se, pelo menos em teoria, inteligente: sendo navarro, o senhorio, que não hesitou em declarar-se vassalo de Santa Maria de Levante, a toponímia que a cidade conhecera durante a ocupação visigoda, era também independente e, desta forma, atenuava as frequentes tensões entre os reinos de Castela e Aragão pela posse de Albarracín.

Chego à Casa de la Julianeta percorrendo, ainda órfã dos muitos turistas que a sobem ao fim-de-semana, a Calle del Portal de Molina, uma das quatro portas de Albarracín que marcava o final da muralha no tempo da dominação árabe e não muito longe de uma outra, a porta da Água, uma clara referência ao lugar onde os locais se abasteciam de água em caso de cerco à cidade.

A família Azagra, vivendo de forma abastada e, ao mesmo tempo, como um trapezista sobre uma corda, procurando encontrar não o seu próprio equilíbrio mas uma forma de satisfazer este e aquele, cedeu terras aos residentes da comarca, dando início a uma época de esplendor para a região, cujos limites geográficos ainda hoje são visíveis – um património, composto por 21 municípios da serra, que continua a ser administrado pela chamada Comunidad de Albarracín.

A descoberta da cidade, imperturbável e bela, permanece como um apelo irresistível, os olhos têm tempo para vaguear, vão ao encontro da catedral, construção do século XVI com uma única nave e as suas capelas laterais onde se pode contemplar o retábulo de São Pedro, um outro, o retábulo maior, na capela mais imponente, um trabalho de Cosme Damián Blas considerado uma das obras mais importantes do renascimento aragonês, assim como alguns sepulcros, entre os quais se destaca, remontando a 1622, o do bispo Gabriel de Sora. E, escondido como um tesouro que apenas se pode ver quando se celebra algo de muito importante, sendo então exposto no altar principal, ainda outro retábulo, este de prata, guardado habitualmente na sacristia. Não é tempo de abandonar a catedral, é o momento para deambular pelo museu diocesano, situado nos espaços originais do antigo Palácio Episcopal e ao qual se acede depois de percorrer um claustro, para tentar reter na memória imagens de uma colecção de tapetes flamengos que datam da segunda metade do século XVI, um peixe de cristal de pedra do mesmo século que, segundo se diz, nenhum artesão poderia esculpir em toda a sua vida, e uma cruz decorada com esmaltes, entre outros artefactos que, no seu conjunto, ajudam a perceber a posição histórica de Albarracín, cuja diocese remonta à Idade Média, a esse tempo em que a taifa passa para as mãos de Pedro Ruiz de Azagra.

--%>