Não é fácil reencontrar hoje, por entre as ruas e os prédios do Lumiar, os vestígios do que foi aquela zona de Lisboa há 100 ou há 200 anos. Mas é precisamente essa a proposta das visitas culturais da Lisbon Week, que arranca hoje e se prolonga até 2 de Abril: descobrir histórias e personagens de uma freguesia que é actualmente, em população, uma das maiores de Lisboa e que ainda está longe dos principais circuitos turísticos.
Houve um tempo em que o Lumiar era uma área de quintas pertencentes à nobreza que, com os seus solos muito férteis e abundância de água, assegurava uma produção agrícola importante para o abastecimento de Lisboa. Mas, para conhecermos o início da história, temos que recuar ainda mais no tempo, até ao século XIII, mais precisamente ao dia 2 de Abril de 1266, data da sua fundação.
Curiosamente, uma das mais antigas referências conhecida permanece hoje na toponímia: o Paço do Lumiar — uma das áreas mais bem preservadas da freguesia — vem do século XIV, quando D. Dinis, ao fazer a partilha dos bens do Mordomo-Mor do rei, o Conde de Barcelos, deixou ao seu filho bastardo (e genro do conde), D. Afonso Sanches, uma quinta e uma casa de campo, chamada Paços do Infante D. Afonso Saches, que mais tarde passou a ser apenas Paço do Lumiar.
Foi durante os séculos XVII e XVIII que o número de palácios se multiplicou naquela zona, que continuou a ter fortes características rurais até meados do século XX. De entre esses palácios, um dos que mais se destaca é o do Monteiro-Mor, onde actualmente se encontra o Museu do Traje, e que pertenceu ao Marquês de Angeja, D. Pedro José de Noronha Camões de Albuquerque Moniz e Sousa, presidente do Real Erário depois da queda em desgraça do Marquês de Pombal.
Comecemos por aí um breve passeio pelas histórias do Lumiar, a partir do que serão as visitas guiadas da Lisbon Week.
Parque do Monteiro-Mor
“Foi o Marquês de Angeja quem criou, no Lumiar, o primeiro jardim botânico da cidade”, conta o olissipógrafo José Sarmento de Matos, sublinhando, contudo, que nunca fez um estudo aprofundado sobre os palácios do Lumiar. “No século XVIII começa a surgir a ideia de fazer jardins e de as pessoas passearem em jardins. Começa-se a olhar a natureza de outra maneira.” A esse propósito, também o Marquês de Pombal tinha lançado uma moda entre os nobres: a criação de bichos-da-seda (e a consequente plantação de amoreiras) para que houvesse material suficiente para alimentar as fábricas de sedas.
A ajudar o Marquês de Angeja no seu jardim, criado em 1750, esteve o naturalista italiano Domenico Vandelli, acrescenta Inês Pais, a historiadora de arte que vai acompanhar as visitas da Lisbon Week. Apesar do seu papel no governo da nação, o Marquês de Angeja era um verdadeiro entusiasta do seu jardim, no qual introduziu espécies exóticas para Lisboa, e existe mesmo um retrato que o apresenta com um barrete na cabeça e sentado a uma mesa com espécies botânicas à frente.
Na primeira metade do século XIX, a quinta e o palácio Angeja — que ainda tem sinais de uma ocupação anterior — foram postos à venda e comprados pelo 1.º Duque de Palmela. “A duquesa de Palmela mandou vir um grande jardineiro que alterou várias coisas do jardim original”, relata Sarmento de Matos.