Fugas - Viagens

  • Paulo Pimenta
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Na Serra d’Arga, entre montes sagrados e profanos

A pé continuam a vir muitos visitantes – ainda esta manhã Agostinho foi guia de um grupo de estrangeiros. É que não há como evitá-lo, a serra descobre-se caminhando. Ou então caminha-se já com um destino e esse pode ser uma das muitas lagoas que a povoam ou tão simplesmente um dos cartões de visita mais conhecidos da Serra d’Arga, o Santuário de São João d’Arga: quando há a festa, conta Agostinho, muitos são os que deixam o carro deste lado da serra e se aventuram a caminhar pelos montes cerca de duas horas.

Fora fim-se-semana, teríamos podido ver a D. Carmen ou a D. Maria a fazer broa de milho como “antigamente”, ou seja, com a farinha moída num dos moinhos de água que já foram quase ubíquos na freguesia. Assim, não lhes pomos a vista em cima, mas visitamos um moinho de água no lugar de Espantar. É um dos dois ainda em funcionamento, dos 42 que existem na aldeia. “Para cada 10 famílias, havia um moinho”, conta Agostinho. A emigração levou muita gente, contudo, a igreja é um bom testemunho da antiga abundância populacional, parecendo agora quase incongruente na sua dimensão e na sua riqueza barroca.

Segredo mal guardado

Chegamos, então ao moinho de Espantar, tabuleta caída na beira da estrada. Há outro moinho a meio da colina, onde antes as mulheres coravam a roupa: não havia tempo a perder e enquanto os moinhos moíam a farinha no ribeiro lavava-se a roupa. Agora o moinho da encosta está abandonado, o de baixo restaurado e com restos de farinha entre as mós. As diferenças são óbvias e começam no telhado, um novo, laranja  brilhante, o outro gasto, algumas telhas já cinzentas; as semelhanças também, xisto e granito a compor as construções, “o granito dos montes, o xisto daqui mesmo”. A mesma levada alimentava ambas, uma das que “escorrem” do rio Âncora, que nasce na Fonte da Urze e chega ao mar em Vila Praia de Âncora; essas levadas ainda alimentam os campos agrícolas, em regime comunitário.

Não vamos perder o norte ao rio Âncora, apesar de poucas vezes o vermos. No Pincho, onde este se transforma em cascata, teremos, aliás, um excesso, cortesia da chuva dos dias anteriores. A cascata do Pincho é talvez o segredo mais mal guardado desta zona “secreta” numa serra conhecida pelas “sete lagoas”. O carro leva-nos até bastante perto, apesar do receio pelos efeitos das chuvas recentes nos caminhos florestais de terra. A água cai em fúria do penhasco, continua sobressaltada pelas rochas e segue nervosa em redemoinhos sobre fundo de seixos. Não conseguimos chegar perto da lagoa onde as águas se despenham, uma piscina natural no Verão. O calmo espelho de água em torno do qual se acotovelam banhistas está revoltoso e se as margens já são escassas no tempo seco, agora estão selvagens. “À volta da cascata existiam campos agrícolas”, conta Agostinho. Já passou mais de um século, calcula, e a floresta voltou a tomar conta de tudo – no meio dela, uma ponte minúscula, que mais parece um delírio rochoso sobre um ribeiro, lembra os tempos em que por estes terrenos se fazia o caminho até Vila Praia de Âncora.

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