Fugas - Viagens

  • Paulo Pimenta
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Na Serra d’Arga, entre montes sagrados e profanos

Herança de outros tempos é o Santuário de São João d’Arga, isolado a meia encosta. Não há ninguém à vista quando abrimos o portão, apenas fechado no trinco. Dedicado a São João Baptista, o mosteiro e os albergues para romeiros que o ladeiam estão fechados na atmosfera medieval original (as datas de construção indicam o século VII) e constituem uma das mais icónicas imagens destas paragens. E não só durante a romaria que transforma os dias 28 e 29 de Agosto numa celebração com tanto de sagrado como de profano (diz a lenda que os romeiros davam duas esmolas, uma a São João e outra ao diabo) – a festa que anima a noite tem pelo menos folia (desde cantigas ao desafio a concertinas) e bebida para aguentar até de manhã.
“Nunca mais houve verde”

E já estamos do lado norte da Serra d’Arga, concelho de Caminha, a zona mais conhecida. As “três Argas” agora são a União de Freguesia de Arga, e é na sede, em Arga de Baixo, que se encontra o Centro de Interpretação da Serra d’Arga (CISA). Já tínhamos deambulado por Arga de Cima, para espreitar os espigueiros. Galinhas e perus correm soltos no largo onde se juntam as caixas do correio, numa casa anuncia-se venda de mel, mas está tudo fechado. “Já não há quase ninguém aqui”, diz-nos um homem no largo, “só reformados e velhos”. E como para que contrariá-lo chega uma sobrinha, jovem, vestido justo às riscas pretas e brancas.

Percorremos estes montes entre campos de cultivo, que surgem como puzzles entre muros de xisto rebeldes. Mas sabemos que o melhor seria pôr pés a caminho e adentrar-nos por eles fora. Aí percorreríamos as vias em lajes de granito que a serpenteiam, ligando povoações a bouças, ribeiros, pastagens, chãs, minas, turfeiras; passaríamos fojos do lobo – as antigas armadilhas que agora pouco mais são que vestígios feitos de pedra – e abrigos para caçadores de lobos; e avistaríamos ruínas de moinhos, cascatas, pontes e lagoas. “É preciso partir à descoberta”, insta Ventura Gonçalves, 44 anos, funcionário do CISA, antigo posto florestal instalado numa encosta pedregosa e molhada que o sol faz parecer de prata. E passa-nos quatro guias (dobrados cabem numa mão) de quatro trilhos sinalizados.

Para quem quer explorar este território da Serra d’Arga, o CISA funciona como porta de entrada (e loja de produtos regionais), uma espécie de resumo do que aqui se encontra – ou encontrava. Referências a flora (e uma horta pedagógica), fauna e património edificado, recriação de uma antiga cozinha, exposição de minérios, ouro inclusive; agora a prospecção está mais virada para o lítio, a população é que não: “Buracos já temos muitos”. O que já não têm é o Pontão do Lobo, cuja fotografia está numa parede, uma das construções mais emblemáticas da zona: caiu há dois anos numa tempestade. Ficamos pela imagem do tempo em que os padres atravessavam a serra a pé para dizer as missas – as lajes colocadas toscamente, horizontal e verticalmente, erguiam-se num semicírculo (“lombo do lobo”, diziam as gentes) minúsculo que se auto-sustentava.

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