Um dos objectos que fascina Nádia, e que inspira muitas das suas peças, é o balangandã, um conjunto de amuletos e talismãs que as escravas libertadas traziam presos num arco à cintura — o nome vem do som que faziam ao andar, chocalhando uns contra os outros. “Essas peças nascem como uma forma de pecúlio. Como é que essas mulheres podem guardar o dinheiro que ganham se não o podem pôr no banco? Vão botá-lo no próprio corpo.” Sempre que reúnem algum dinheiro, arranjam uma figa da sorte em madeira e encastram-na com prata. Carregam literalmente no corpo o preço da liberdade.
“Vão afirmando esse conjunto, que tem uma simbologia muito profunda, nenhum balangandã é igual a outro, são peças muito subjectivas. E quando têm peso suficiente, entregam o balangandã ao senhor para comprar a alforria de algum parente”, descreve Nádia. Estas peças tipicamente baianas passam então para a posse dos senhores que as usam para exibir a sua riqueza.
No entanto, não é a “sinhá” que as vai usar, mas sim as suas damas de companhia. “A sinhá ia à Igreja do Bonfim aos domingos à tarde para uma célebre missa que havia em Salvador. Tem até uma música do Dorival Caymmi [O que é que a baiana tem?] que fala assim: ‘Só vai no Bonfim quem tem/ um rosário de ouro, uma bolota assim/Quem não tem balangandãs não vai no Bonfim.” Quanto mais as damas de companhia crioulas fossem carregadas de jóias, mais rico era o senhor. “Como tudo era dele, incluindo a escrava, ele podia enchê-la de ouro”, sublinha Nádia. “Ela era como uma jóia andante.”
E ostentar riqueza era muito importante numa sociedade como a baiana. Conta Maria Novaes Pinto, que nos guia por uma visita ao centro histórico de Salvador, que a Igreja de São Francisco é toda decorada a ouro porque quando foi pedida autorização a Lisboa para a construção, Portugal respondeu que daria se ela representasse a riqueza da colónia — baseada na exploração da cana-de-açúcar e de tabaco. Daí a ostentação da igreja, que apenas se encontra despida de ouro na parte de trás, junto à porta, o local onde ficavam os escravos que vinham acompanhando os senhores. “Quanto mais escravos acompanhassem a família, mais importante era ela”, explica Maria Novaes.
Nos balangandãs recriados por Nádia Taquary, os elos e os talismãs que eles unem passam a ser enormes, “agigantam-se”, tornam-se “barrocos e africanos”, porque precisam de se mostrar. “São”, diz a artista, “peças que nasceram de uma superação, de um empoderamento, de uma forma de sobrevivência e, ao mesmo tempo, com uma história que traz uma carga muito grande de liberdade.” A história dos escravos que fizeram a Bahia. “Aproprio-me dela porque ela é também a minha história”.