Nos brancos, Raúl Pérez nem quer ouvir falar em batonnage (batimento das borras, técnica cada vez mais utilizada nos vinhos estagiados em madeira) e explica porquê: "A battonage é um sistema de oxidação não controlada. Tu não sabes que quantidade de oxigénio estás a meter no vinho, num momento em que o vinho está muito receptivo a receber ar. Os vinhos com battonage são muito mais pálidos e oxidados. O que se pretende com a battonage, passar a manoproteína das leveduras para o vinho? Quer dizer que quando morreres os vermes não te vão comer? Comem-te mais lentamente, mas comem. No vinho é a mesma coisa. As leveduras vão morrer e a parede celular onde está a manoproteína [que torna os vinhos mais gordos] vai acabar por degradar-se. Se bateres o vinho, pode ser em 15 dias. Se não fizeres nada, pode ser em três ou quatro meses".
Já em relação aos tintos, não é tão definitivo: "Em zonas onde há mais acidez, a battonage pode ser interessante. Nós nunca fazemos, mas no Tinta Amarela [de Sonim] vamos dar-lhe um pouco de fermentação em barrica e batê-lo durante três a quatro semanas, para o oxigenar um pouco".
Génio ou louco, Raúl Pérez (e também Álvaro Palácios) não só ajudou a colocar Bierzo e a casta Mencia no mapa mundi dos vinhos como tem vindo a revolucionar a enologia em Espanha. É o mais novo de três irmãos- dois rapazes e uma rapariga - oriundos de uma família humilde de viticultores de Valtuille de Abajo, em Bierzo. O pai morreu na adega, a tentar salvar dois colaboradores de uma intoxicação com gases. Raúl começou a trabalhar na casa com 19 anos (nasceu em 1973). Esteve para ser médico e ainda chegou a frequentar Medicina em Oviedo, mas a boémia e outros interesses afastaram-no do curso.
Um dia, mesmo no limite das inscrições, Daniel, o irmão mais velho, matriculou-o na Escola de Enologia de Valência, e esse impulso paternal haveria de ser decisivo. Hoje, Raúl é o responsável pelos vinhos da família, na adega de Castro Ventosa, em Valtuille, dá consultoria a inúmeros produtores e produz os seus próprios vinhos em diversas regiões. Nas Rias Baixas tem feito experiências com castas tintas como Caiño e o Espadeiro e faz o Alvarinho Sketch (96 pontos Parker em 2009); na Ribeira Sacra elabora os tintos El Pecado (98 pontos Parker em 2007) e Penitência; e em Bierzo produz o tinto Tentação e brancos e tintos com a chancela Ultreia (98 pontos Parker com o tinto Ultreia Valtuille 2005). O enólogo leonês faz também vinhos em Monterrei (Galiza), León (com a casta Preto Picudo), Madrid, Maiorca, Douro, Vinhos Verdes (o Alvarinho Dorado), Bordéus, Chile e África do Sul. Na maioria dos casos, são produções muito pequenas, da ordem das centenas de garrafas, que desaparecem num ápice. Os seus vinhos, como alguém escreveu, "não admitem meias tintas. A entrega ou a recusa, o ódio ou o amor: qualquer coisa menos a indiferença".
O que o move é o gosto pela uva e pelo vinho. Raúl só entende o vinho a partir da vinha, onde tudo se decide. A vinificação com engaço (cacho inteiro) é, em si mesmo, uma demonstração de respeito pela uva, como se depreende das suas palavras: "Devemos tocar na uva o menos possível e apostar de verdade na maneira mais natural de vinificar. O engaço dá problemas se se espreme, porque acaba por deixar nos vinhos um acento verde e lenhoso. Se o trabalharmos com cuidado durante a maceração, pode ser benéfico para a acidez. O engaço obriga-te a uma produção manual e isso é bom. Eu tento elaborar os meus vinhos tendo em conta o que faziam os nossos antepassados".