Fugas - Vinhos

  • Raúl Pérez
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Raúl Pérez e o renascimento dos vinhos de Trás-os-Montes

Foi o respeito pela tradição, o inconformismo perante a crescente homogeneização do vinho e a vontade de resgatar regiões e castas esquecidas (a Mencia na Ribeira Sacra e Bierzo, o Prieto Picudo em León, a Gargollasa em Maiorca) que também o levaram até Trás-os-Montes, para muitos the next big idea do atlas do vinho em Portugal.

Raúl despertou para as vinhas velhas transmontanas através do irmão, que já leva alguns anos a instalar vinhas novas no norte do país. Daniel passa quase mais tempo em Trás-os-Montes do que em Bierzo e já tem casa em Valpaços. Mas a sua primeira casa é a do amigo Fernando Faria, em Sonim, aldeia onde tem vindo a comprar algumas parcelas de vinha. O Tinta Amarela que Raúl Pérez fez nesta vindima veio de uma dessas parcelas.

Há alguns anos que Raúl tem vindo a acompanhar a evolução dos vinhos de Fernando Faria (comercializa a marca Casal Faria), um dos rostos da nova vaga de produtores transmontanos, para poder entender a região. Um dos vinhos, um branco de vinhas velhas, o Casal Faria Superior 2009, com três anos em barricas usadas (já avaliado na FUGAS), já teve o seu dedo. "No início reduzia um pouco, mas agora está com uma complexidade incrível e ainda é bastante novo", diz.

É um branco proveniente de solos graníticos, tão do agrado do enólogo espanhol. "Os granitos de Trás-os-Montes [mais vincados na zona de Valpaços e Vidago] são muito interessantes para trabalhar. Também é muito interessante o clima, bastante seco. Não há quase doenças, as vinhas tratam-se com muito pouco trabalho e obviamente que tudo isso se reflecte nos vinhos", acentua.

O enólogo espanhol não tem dúvidas sobre o grande potencial de Trás-os-Montes. "As zonas que têm vinhas velhas são sempre interessantes. Se as vinhas continuam por aqui ao fim de tantos anos, é por alguma razão", sustenta. Além de vinhas centenárias, a região possui solos ideais para a cultura da vinha, cotas que garantem vinhos maduros mas ao mesmo tempo frescos e castas bem adaptadas ao lugar.

Uma das mais tradicionais é o Bastardo, originário do Jura, em França, onde leva o nome de Trousseau. "Em Trás-os-Montes vindima-se o Bastardo muito maduro e eu acho que deve ser o contrário. É uma variedade com pouca pele, muito fina, e a extracção é muito lenta. Na zona de Jura, os vinhos de Bastardo são muito frescos porque são colhidos quase verdes", sublinha Raúl Pérez.

Na sua opinião, é possível "tirar muito potencial do Bastardo" em Trás-os-Montes, "mas não quer dizer que os vinhos da região passem só por essa casta". "Eu gosto muito da Tinta Amarela [a Trincadeira do Alentejo]. É uma variedade fantástica para trabalhar. É polivalente, podes sacar dela tudo o que quiseres, fazeres vinhos com mais ou menos extracção, com mais ou menos álcool, com pouca ou muita estrutura. Para a minha forma de trabalhar encaixa muito bem. Temos um sistema de extracção muito lento, muito suave, e a Tinta Amarela maneja-se muito bem. O Bastardo requer mais trabalho desde o início".

E a Touriga Nacional? "Por si só, é uma casta incrível. Pode-se gostar ou não. Eu não gosto. Impõe-se demasiado. Quando fazes um vinho com uma mistura de várias castas, só aparece a Touriga Nacional. Num sistema multicasta, a Touriga Nacional não casa, porque marca muito. Que adianta misturar Tinta Amarela e Bastado com 20 por cento de Touriga Nacional se o que fica é a marca da Touriga Nacional?".

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