Os portugueses, tal como todos os seres humanos, são animais de hábitos. Durante mais de um século habituámo-nos a associar vinho espumante com a região vinícola da Bairrada, com o nome das grandes caves que enriqueciam a região, com as dezenas de vinhos espumantes saídos de pequenas vilas com nomes exóticos como Anadia, Sangalhos, Cantanhede ou Mealhada. Habituámo-nos, tal como a maioria dos turistas que faziam a viagem de carro entre Lisboa e Porto pela estrada nacional, a parar nos ilustres restaurantes da região para comer o famoso e obrigatório Leitão da Bairrada enquanto nos deliciávamos com os vinhos espumantes da região.
Mais tarde surgiu o interesse pela região em redor de Lamego, no norte mais interior e montanhoso de Portugal, terra alta, pobre e agreste que faz fronteira com a região do Douro. Apesar de Lamego estar afastada dos principais eixos rodoviários, apesar de ser tão distante e agreste, acabou por transformar-se na outra grande região do vinho espumante português, confirmando-se como alternativa à região pioneira da Bairrada. Távora e Varosa, o nome oficial da região que toma o nome dos dois rios principais que atravessam as montanhas, transformou-se numa referência de culto tanto para os enófilos como para os consumidores mais despreocupados graças a dois dos grandes ícones da região, dois produtores que para muitos portugueses se converteram em sinónimo de espumante, os produtores Raposeira e Murganheira.
Durante várias décadas as regiões da Bairrada e Lamego disputaram o mercado de vinhos espumantes de forma quase intocável reinando sobre as demais regiões. Raros eram aqueles que se atreviam a elaborar vinhos espumantes fora destas duas paragens, raros eram aqueles que se lançavam numa empreitada que exigia investimentos substanciais sem garantia de retorno. Os medos subsistiam não por melindre ou por qualquer tipo de proibição ou proteccionismo mas simplesmente pela inércia dos produtores e pelo peso comercial das duas regiões que dominam o mercado. A resignação e demissão de muitos produtores abonaram décadas de estagnação e imobilismo nos espumantes portugueses.
De repente, e sem que nada o fizesse prever, os espumantes portugueses explodiram de actividade e subversão das regras impostas. Num súbito ataque de democracia vínica, dezenas ou mesmo centenas de novos produtores de todas as regiões começaram a pretender elaborar vinhos espumantes. Para tal desenlace e súbita libertação das grilhetas do passado muito contribuiu a figura do enólogo consultor, uma criação relativamente recente no universo conservador do vinho.
Muitos desses enólogos consultores passaram a ser igualmente empresários na área representando equipamentos e técnicas, alugando máquinas e fornecendo serviços como o aluguer de prensas, equipamentos de frio, sistemas de engarrafamento, linhas de rotulagem… e equipamentos para a espumantização do vinho. Num ápice, o processo de espumantização passou a ser mais fácil e muito menos oneroso, os incentivos passaram a ser mais atraentes e a febre dos vinhos espumantes começou a atingir as prateleiras e a inflamar a curiosidade dos consumidores.