Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

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O segredo do vinho português descobre-se cada vez mais na vinha

A prova dessa preocupação está no extraordinário crescimento das plantações com Touriga Nacional. Há 30 anos, a “touriga”, como é familiarmente designada, era apenas mais uma casta perdida no labirinto das vinhas do Douro e do Dão. A sua escassa produtividade tornava-a pouco simpática, embora tenha sido desde sempre o esteio dos grandes tintos do Dão que conseguem durar décadas na garrafa. Depois de ser estudada nos anos de 1990 por especialistas como Nuno Magalhães, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e de ser adoptada por enólogos ousados como José Ramos Pinto Rosas, a Touriga tornou-se um sucesso e de imediato passou a ocupar o lugar de porta-bandeira dos vinhos de Portugal. Hoje é a quinta variedade mais plantada em Portugal, ocupando 8.100 hectares de vinhas em praticamente todas as regiões do país.

Para muitos críticos, essa expansão da Touriga foi tão rápida e acentuada que se corre o risco de o vinho português se “touriguizar”, ou seja, de se tornar uniforme e de esconder numa única palete de aromas e sabores a enorme variedade regional e genética da produção nacional. Jorge Moreira discorda dessa visão. “Começa a ficar bem dizer mal da Touriga Nacional”, diz, “mas nos vinhos de top que não vêm de vinhas velhas é esta a casta que sempre se distingue”, acrescenta. Para ele, “a Touriga Nacional tem a mesma identidade e a mesma força de carácter das grandes castas internacionais, como a Cabernet Sauvignon ou a Syrah. Tem aromas exclusivos, carácter e envelhece bem em garrafa”.

A discussão sobre as castas encontra em Portugal uma amplitude que não existe em nenhum outro produtor de vinhos do planeta. Os produtores portugueses têm à sua disposição 343 variedades autorizadas para as suas plantações, e entre estas 268 são castas nativas – convém notar que cada região adoptou o seu próprio leque de castas admissíveis para o seu território. É por isso que nos planos de promoção internacional Portugal se apresenta como “um mundo de diferença”. Uma diferença que se se faz pela evolução e adaptação das plantas ao solos e climas do país ao longo de séculos, mas também por uma origem remota, já que está cientificamente provado que após a última grande glaciação a vitis sobreviveu em refúgios na Península Ibérica e não apenas no Médio Oriente, de onde se expandiu, como até há pouco se acreditava.

Esse universo alargado de variedades da videira é, no geral, pouco estudado e conhecido. A Associação para o Desenvolvimento da Videira, Porvid, lançou um projecto inovador, com base em Pegões, que visa conservar essa riqueza genética. Num tereno de 273 hectares cedido pelo Estado serão cultivados e protegidos 50 mil genótipos de 250 castas nacionais – cada casta tem diferentes genótipos que, em muitos casos, dão origem a produções e tipos de vinho distintos. A ideia é conservar para o futuro a possibilidade de os produtores disporem de um leque quase ilimitado de castas, que em teoria lhes permitirá conceber vinhos de estilos muito variados. Porque é convicção generalizada entre viticultores e enólogos que se desconhece muito mais do que o que se sabe sobre as castas indígenas.

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