Sala de provas da adega da Barbeito, na nova zona empresarial de Câmara de Lobos. A culminar uma exaltante prova de vinhos Madeira, Ricardo Diogo serve um copo de um Terrantez 1795 que trouxe de casa da mãe. Leu bem: Terrantez de 1795, um vinho com 220 anos. Muitas gerações passaram por ele. Mais inacreditável ainda: a garrafa estava menos de meia e já tinha sido aberta há cerca de 13 anos. Ao fim de tanto tempo, um outro vinho qualquer estaria vinagre. Mas não, o vinho ainda estava (está) grandioso. De aroma delicado, parecia um bombom de pepesetas a explodir de iodo e acidez na boca.
Só os grandes Madeira conseguem ser quase eternos. É a vantagem de nascer já “maltratado”. Ácidos e oxidados à nascença, são vinhos que ficam imunes para o resto da vida.
Um vinho como o Terrantez 1795 bastava como experiência inesquecível, mas Ricardo Diogo já tinha dado a provar dois Madeira ainda melhores, ambos da casta Boal: um de 1837 e outro de 1866. Dois vinhos do outro mundo, inebriantes nas suas notas químicas, salinidade e frescura infinita. Uma epifania.
O Boal de 1837 é garrafa única. Do 1866, ainda restam 8 garrafas. Nenhum está à venda. São vinhos de família, comprados ou pela mãe de Ricardo, Manuela Vasconcelos, ou pelo avô, Mário Barbeito de Vasconcelos, o homem que, em 1946, fundou a empresa Vinhos Barbeito.
A Barbeito começou assim, com a compra de vinhos velhos. Mário Vasconcelos era contabilista na Companhia Vitivinícola Madeirense, conhecia bem os produtores de Madeira. “Dos vários Madeira que comprou no início, ainda temos algum vinho, em garrafas ou em garrafões, de Malvasia 1834, Boal 1863, Malvasia 1875, Verdelho 1885, Sercial 1910, Boal 1910 e Verdelho 1920. Ele comprou estes vinhos mas não os vendeu, foi-os guardando”, conta Ricardo.
Barbeito é o nome da moda no vinho Madeira. Não pelas relíquias de família que conserva, mas sim pelos vinhos que está a fazer, depois de, no início da década de 90, a empresa ter sido salva pela família japonesa que distribuía (e distribui) os vinhos no Japão, os Kinoshita, e por um então jovem professor de História, Ricardo Diogo. Refazendo a formulação: Ricardo Diogo é o nome de quem hoje se fala, mais no continente ou nos mercados internacionais do que propriamente na Madeira, onde pouco se sabe (e se bebe) sobre aquele que é um dos grandes vinhos do mundo. Ele é a nova wine star do vinho Madeira, que até há bem pouco tempo girava quase só em torno de Francisco Albuquerque, da Madeira Wine Company, distinguido em 2006, 2007 e 2008 como “enólogo do ano” em vinhos fortificados pelo International Wine Challenge.
“A gente ia falir”
Ricardo chegou onde chegou “por acidente”. Em 1989, no mesmo ano em que finalizou o curso de História na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e regressou à Madeira para dar aulas, deu-se um acontecimento que haveria de mudar a sua vida e a da empresa Vinhos Barbeito. A companhia já não era a mesma. Quando a fundou, Mário Vasconcelos apostou na comercialização de vinho engarrafado, recorrendo a novos conceitos de marketing e a embalagens inovadoras para a época, como o cantil empalhado. Graças à qualidade dos vinhos e ao relacionamento de proximidade que o fundador mantinha com os clientes, a Barbeito foi construindo pouco a pouco uma grande reputação no sector.