Será o Natal a melhor época do ano para bebermos os melhores vinhos? Se fizerem a pergunta ao crítico João Paulo Martins, ele vai logo dizer que não, que pode ser um desperdício, porque há sempre alguém na família que não sabe apreciar um bom vinho. E não deixa de ter razão. Não há nada há mais frustrante do que partilhar um grande vinho com alguém que não o sabe apreciar devidamente ou, pior, que até pode fazer cara feia ou sugerir que o mesmo possa estar estragado. Não é exagero. É mais do que comum sermos confrontados com situações destas.
O problema não está na sogra, no irmão ou na cunhada que percebe pouco de vinho. Nem toda a gente tem os mesmos conhecimentos ou gostos vínicos e a um familiar, ainda mais numa mesa de Natal, perdoa-se tudo. Mas há vinhos que, pela sua natureza ou raridade, só devem ser bebidos com alguém que consiga percebê-los ou, no mínimo, que tenha sensibilidade e esteja receptivo a partilhar uma grande experiência. Por outro lado, beber grandes vinhos não é um acto social qualquer. Pode não requerer uma liturgia especial, mas exige, no mínimo, um ambiente propício, para além da companhia certa. Ora, o Natal não é propriamente o momento mais adequado, até porque a festa gira cada vez mais em torno das crianças e das prendas.
Esta será a visão do enófilo. Se nos ativermos apenas à importância do Natal e à felicidade de podermos ter ao nosso lado as pessoas de que mais gostamos, então vale sempre a pena festejarmos com o melhor vinho possível. A vida é feito de pequenos momentos e pode ser um erro esperar pelo momento certo para abrirmos a garrafa especial que nos ofereceram ou o vinho xpto que guardamos ciosamente na garrafeira.
O mais sensato, no entanto, é optarmos por uma situação de compromisso, por vinhos que, não sendo os melhores ou os mais caros, sejam bons, possam ser mais consensuais e, ainda assim, consigam valorizar a gastronomia da festa e fazer do Natal um momento único. Há muitos vinhos capazes de preencher esse papel. Nem sempre são os vinhos mais caros e especiais os que nos levam ao céu. Há determinados brancos e tintos, espumantes ou fortificados que, pela comida, pela nossa disposição ou pela companhia, nos parecem perfeitos.
O ambiente natalício e a gastronomia da quadra são, de resto, muito apropriados para o vinho, permitindo um alargado leque de escolhas. O Natal deve ser, aliás, a festa que mais nos estimula a bebermos diferentes tipos de vinhos, desde brancos a tintos, passando por espumantes e fortificados.
E o desafio começa logo pela manhã, com a chegada dos primeiros fritos e doces à mesa. Para este momento, o melhor é optar por brancos frescos, leves e sem madeira ou por champanhes ou espumantes novos e sem açúcar. Há Alvarinhos e espumantes bairradinos brutos, por exemplo, que podem ser deliciosos com estes aperitivos pré-consoada. Os brancos podem continuar ao jantar, sobretudo se o prato for bacalhau assado. Neste caso, o melhor é optar por um branco mais complexo e gordo mas vibrante de acidez. Um branco muito marcado pela madeira pode ser enfadonho. Os tintos também vão muito bem, sobretudo tintos carnudos e amplos, com bons taninos e acidez, importantes para dialogarem com a proteína do bacalhau e a gordura do azeite. Se a tradição incluir peru assado, um tinto é sempre a melhor escolha. De preferência um tinto mais fino e delicado, sem muito álcool e pouco marcado pela madeira.