Mas nada do que pudéssemos imaginar, a não ser a simplicidade da adega e a vontade de fazer vinhos autênticos, encaixa em Fernando Paiva. Não fuma, é discreto, faz os seus vinhos sem grandes alaridos e tem 72 anos. Elegante e com a pele bem tisnada pelo sol do campo, é um septuagenário em grande forma e muito preocupado com o que come e bebe. “Tornei-me biodinâmico a pensar na minha saúde. Fui egoista, reconheço”, diz.
Fernando Paiva possui a Quinta da Palmirinha, em Bouça Chã (concelho de Felgueiras), e uma pequena parcela de 0,5 hectares junto a Amarante. Ao todo são cerca de 3,5 hectares de vinha que herdou de família. Palmirinha era o petit-nom da mãe, que morreu com 104 anos. Antes de ser viticultor, Fernando Paiva foi professor de História e Português no 2º Ciclo em Amarante. E dirigiu durante alguns anos o jornal local.
Reformado aos 56 anos, virou-se para as vinhas sem saber muito bem o que fazer. No ano 2000 surgiu-lhe a possibilidade de realizar em Celorico de Basto uma formação com o especialista francês em biodinâmica Pierre Masson. “Na altura, nem sequer conhecia a palavra ´biodinâmica`”, recorda. E durante essa semana de formação teve uma espécie de epifania. Masson dera-lhe a conhecer um mundo novo, uma nova forma de encarar o cultivo da terra e a transformação dos alimentos, sem pesticidas e outros produtos químicos, em respeito pela natureza e pelo bem-estar da humanidade. Fascinou-o a ideia de produzir uvas e vinhos saudáveis, num ambiente holístico, em que tudo o que a vinha precisa para se alimentar e proteger tem origem na própria exploração agrícola, nas plantas e nos animais que a povoam. “Comecei por ter grandes dúvidas. O que eu precisava de saber era se a agricultura biodinâmica poderia ser generalizada ao ponto de poder assegurar a alimentação da humanidade. E na altura fiquei bastante convencido”, conta.
Nessa época, o valor das uvas na região era muito baixo e tendia a diminuir ainda mais. Pela mesma altura, Fernando Paiva leu um artigo sobre uma investigação feita em França que concluiu que os agricultores eram o grupo profissional com maior incidência de cancro na cabeça, associado à exposição aos pesticidas. “Prejuízo por prejuízo, então mais vale fazer uvas biológicas”, disse para si. E foi assim que tudo começou.
Os primeiros anos foram de aprendizagem. A sério, só a partir de 2007 é que Fernando Paiva começou a fazer viticultura biodinâmica. Sempre com um sentido prático e sem ceder ao esoterismo e à religiosidade que muitos agricultores biodinâmicos cultivam. “Eu sou agnóstico”, diz. Mas, mesmo não sendo homem de fé, acredita na eficácia do preparado de bosta (o preparado 500) que é usado no solo para aumentar a vida microbiana e facilitar a obsorção dos minerais por parte das videiras; acredita no preparado 501, uma mão cheia de cristais de quartzo moídos que são enterrados num corno de vaca desde a Páscoa até ao Outono e que, pulverizado sobre a vinha, depois de ser agitado numa grande quantidade de água durante uma hora, ajuda à frutificação e à maturação dos cachos; acredita nas macerações hidroalcoólicas de folhas de consolda, urtiga, cavalinha e eucalipto, que usa para tornar as videiras mais resistentes a várias doenças; e respeita dentro do possível o calendário desenvolvido por Maria Thun com as actividades que devem ou não devem ser realizadas em cada dia do ano, de acordo com as energias cósmicas que chegam à Terra. Uma espécie de avatar biodinâmico do almanaque Borda d’água. Também não tem dúvidas sobre a importância das abelhas na paisagem cultivada, como polinizadoras e como transportadoras de veneno, com efeito estimulante conhecido na vida das plantas; e por isso tem sempre uma ou duas colmeias na quinta, bem como cerca de 50 a 60 galinhas, que ajudam a diminuir as ervas infestantes e também, queixa-se Fernando Paiva, a “alimentar raposas e milhafres”.