A primeira vez que Francisco Olazabal pôs os pés na Quinta do Vale Meão foi numa Primavera. Tinha sete anos e ainda hoje conserva uma memória vívida dessa experiência. “Lembro-me do cheiro intenso. Tudo ressumava a flor de laranjeira”, diz. Não se pode dizer que essa estreia carregada de odores do Douro na Primavera e de ofertas estranhas a um rapaz da cidade, como a de uma gaiola com um abelharuco lá dentro, foi o princípio de uma ideia que demorou uma vida a concretizar: a posse plena da quinta. Mas foi o princípio de uma história. Em 1994, Francisco Olazabal compra os pequenos lotes de capital dispersos por dezenas de membros da família e dedicou-se a uma segunda vida que culminou com a criação de um dos principais ícones do vinho português, o Vale Meão. Este ano, Francisco Olazabal lançou um livro sobre a quinta em torno da qual gravitou uma boa parte da sua vida. É um texto de memórias e de afectos que nos ajudam a entender melhor uma das mais extraordinárias quintas do Douro. E, por consequência, a grandeza dos seus vinhos.
O Douro que Francisco visitou pela primeira vez em 1945 era um mundo remoto, esquecido e muito diferente do actual. No Vale Meão as condições eram mínimas – “não era um sítio muito apetecível, nem sequer tinha casa de banho”, recorda Francisco. A malária só seria erradicada do vale em 1948. E a situação dos trabalhadores roçava os limiares de miséria. “O meu pai sofria imenso com a pobreza no Douro. Achava que o Douro era vítima de uma exploração desalmada. Por isso ele nunca pôs os pés no Grémio dos Exportadores, que era dominado pelos ingleses”, diz. Não admira que as visitas à quinta da família fossem raras e breves. Pelo menos até que, por volta dos 16 anos, Francisco Olazabal começou a correr os seus montes na caça.
Hoje, esse cenário faz parte do passado. Ainda subsiste o intenso aroma das flores da laranjeira. O meandro do rio que, numa súbita inflexão do seu curso, faz uma derivação para Norte antes de se regressar ao seu caminho directo até à foz, continua a ser o mesmo lugar belo onde a exposição solar e a influência das águas do rio criam uma espécie de paraíso para as videiras. Mas a adega do Vale Meão foi modernizada, os caminhos retocados e a casa onde os pioneiros da família se instalam desde o século XIX dispõe hoje de todas as condições de conforto. Em pouco mais de 20 anos, a posse plena da propriedade por parte de Francisco Olazabal e da sua família significou de alguma forma o renascimento do projecto ousado, quase extravagante, que Dona Antónia Adelaide Ferreira lançou em 1884. Há novas plantações de vinha na encosta e hoje a empresa é capaz de produzir umas 250 mil garrafas de vinho que se exportam para vários países.
A conquista do Meão
Entre o momento em que Dona Antónia se lançou na construção do Vale Meão e o desenvolvimento que o seu trineto lhe concedeu há um fio condutor. Que nem sempre é permanente. Mesmo que na memória da família a conquista do Meão seja vista como a mais arrojada iniciativa empresarial de uma mulher com uma extraordinária garra e visão para o negócio. Por volta de 1870, quando a filoxera começava a causar graves danos no Douro, Dona Antónia investe na compra de parcelas junto ao Pocinho para criar a sua utopia. Um administrador dos Ferreira escreveu ao seu segundo marido, Silva Torres, em 1877, avisando-o: “Faça a sua vontade na conquista do Monte Meão [a quinta também era conhecida por este nome] se dessa conquista lhe puder vir algum prazer, porque interesse certamente não”. O cepticismo de Claro da Fonseca seria, no entanto, superado pela tenacidade de Dona Antónia. Em breve, o comboio chegaria ao Pocinho e o projecto podia finalmente avançar.