Fugas - Vinhos

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Uma vitória do novo Alentejo junto ao mar

Por Manuel Carvalho

O painel de provas da Fugas regressou aos vinhos brancos com o desafio de se pronunciar sobre um lote de dez vinhos que exprimem a diversidade regional, as castas e as principais opções da enologia actual. No final, ganhou um Cortes de Cima que nasceu perto das praias do Alentejo.

Faz sentido que um júri que se prepara para fazer uma prova cega de vinhos coloque em cima da mesa muitas perguntas. O papel de alumínio que cobre as garrafas esconde segredos e experimentar um vinho sem rede é sempre um desafio que esconde perigos.

Ainda mais quando, deliberadamente, a prova de vinhos brancos que a FUGAS propôs este ano ao seu júri era ousada e cheia de riscos. Na mesa estavam vinhos que iam das vindimas de 2012 até à do ano passado. Havia vinhos com e sem estágio em barricas de madeira. Havia vinhos que fermentaram nas borras finas durante meses (o processo tecnicamente conhecido como bâttonage) e outros que foram de imediato filtrados e passaram para as cubas de fermentação. Havia vinhos do Norte e do Sul de Portugal, de vinhas junto às praias e provenientes das montanhas. Havia vinhos de uma só casta e vinhos de lote. Havia vinhos só com castas portuguesas, mas havia também um vinho só de uma casta de origem francesa.

A tarefa era dura, mas a ideia era que fosse dura. Afinal, o que estava em causa era o mesmo processo de escolha que tantas vezes deixa os apreciadores de vinho em dúvida sobre o que comprar.

Na edição do ano passado da prova de vinhos brancos, escrevemos que o júri tinha privilegiado a acidez em detrimento da fruta ao colocar no primeiro lugar um branco do Douro, feito com a casta moscatel – o Quinta do Vallado Prima 2014. Este ano, pode-se dizer que a escolha se dirigiu para um branco que, de alguma forma, é mais consensual: o Cortes de Cima de 2014, um vinho que apresenta um bom balanço entre a expressão da fruta, o volume de boca e a acidez. Luis Costa, um dos membros do júri, sublinhou-lhe a “classe”. Beatriz Machado descreveu-o como apresentando aromas cítricos e de fruta tropical, detectou-lhe alguma adstringência, uma boa acidez e uma boa estrutura.

Este vinho criado pelo enólogo Hamilton Reis na propriedade do dinamarquês Hans Jorgensen e da sua mulher, a americana Carrie Jorgensen, tem por base as castas Alvarinho, Sauvignon Blanc e Viognier e nasceu na mais nova fronteira aberta na região do Alentejo: a zona de Vila Nova de Milfontes, a curta distância do mar, o que ajuda a explicar a sua maior frescura.

Para quem se lembra do tempo em que os Cortes de Cima eram produzidos no interior do Alentejo, perto da Vidigueira, a vitória na prova foi uma surpresa. Há apenas quatro ou cinco anos, os vinhos desta marca eram no geral mais alcoólicos, mais pesados, sem a vivacidade das mais recentes edições. E a surpresa adensa-se quando na mesa estavam vinhos com uma estatura sujeita a outro reconhecimento na crítica e no mercado.

As provas cegas, com todos os defeitos e problemas que apresentam (o maior é o de descontextualizarem o vinho da sua história e de o resumirem a uma simples fonte de aromas e paladares), têm o mérito de nos colocar perante situações dessas. Situações surpreendentes e por vezes inimagináveis. Por isso são tão atraentes. E perigosas. Quem quiser animar um grupo de amigos em torno do vinho lá em casa, tem sempre a possibilidade de recorrer aos seus mistérios.

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