Era uma autêntica aventura. “Pusemos um depósito em cima do telhado porque não havia água”, conta Margarida. “Fizemos uma casa de banho e uma cozinha, tínhamos um frigorífico a gás e uma televisão a cores que funcionava ligada à bateria do tractor. Um dia encontrei uma coisa fantástica, um ferro de engomar a gás. Estava farta de queimar roupa com o ferro com brasas.”
A descoberta do Alentejo
Foi aí, nesse monte longe de tudo, que Margarida se apaixonou pelo Alentejo. Já não eram as pessoas de Estremoz que a viam como uma ave rara. Os alentejanos do campo tinham outra sabedoria de vida e ensinaram-lhe muita coisa – aliás, tudo o que sabe sobre a cozinha do Alentejo. “Vivia na herdade uma daquelas senhoras, puras alentejanas, que me ensinou tudo, desde as ervas comestíveis às conservas, os fumeiros. Desidratávamos o tomate, que secávamos ao sol e guardávamos dentro de frascos de azeite. O Joaquim ia à caça e eu guardava as perdizes já cozinhadas ou a carne de porco depois da matança, conservada em banha.”
Foi arriscando cozinhados cada vez mais elaborados e para mais pessoas, ajudou um amigo a organizar festas, foi ganhando confiança e, sobretudo, fama de ser uma grande cozinheira. Um dia foi fazer um almoço para uma caçada na Serra d’Ossa, em que “não havia água, tivemos que levar tudo às costas”. Quando à noite chegou a casa, disse para o marido: “Estou farta de andar com a cozinha às costas, vou à procura de um sítio”. E assim, em 1994, nasceu o São Rosas, restaurante de cozinha alentejana em Estremoz.
Mudaram-se do monte para a quinta onde ainda hoje vivem e que pertencia desde há muito à família de Joaquim. Espreitamos lá para fora e vemos a vinha que se estende à nossa frente, batida pelo vento e a chuva. As uvas sempre foram para vender, mas, depois de ter o restaurante, Margarida começou a pensar: “Estou aqui a fazer a minha cozinha, tenho umas uvas fantásticas e estou a vendê-las a outro produtor, estou a promover os vinhos deles com os meus pratos e nunca vejo o resultado final das uvas, podem dar vinhos óptimos mas nunca saberemos.”
Até que um dia desafiou o marido a “experimentar fazer uma cuba”. Pediram a amigos que tinham adegas e avançaram. “Eu vinha às vinhas, provava as uvas e dizia ‘vamos lá misturar esta com aquela, vamos fazer uma cuba destas’ e atrás destes entusiasmos ficámos com 50 mil garrafas logo no primeiro ano.” Acharam que o melhor era manterem as actividades separadas: Joaquim trata da vinha durante todo o ano (têm 50 hectares e entre 75 a 80% das uvas são para vender) e, quando chega a altura da vindima, Margarida começa a andar por ali, a provar. “Temos a vantagem de poder escolher o melhor para nós”, diz.
“Desde que tivesse a parte técnica garantida pela equipa da adega [trabalha com a enóloga Susana Esteban], estava bem. Não estudei enologia, mas a escolha das uvas, isso é igual à cozinha. Quando me perguntam como aprendi a fazer vinho, respondo ‘da mesma maneira que aprendi a cozinhar, provando e misturando’. O vinho começa a fazer-se na vinha, com a prova das uvas. Provo e decido. Costumo dizer que cozinho sólidos e líquidos. Como lido todos os dias com sabores, paladares e aromas, as minhas papilas gustativas estão muito treinadas.”