Fugas - Vinhos

  • Enric Vives-Rubio
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Três erros tintos e um erro branco

Se há alguma coisa que ele sabe hoje, mais de duas décadas após o início da sua aventura, é que “só depois da vinha feita é que se sabe o que o vinho vale”. Quando se planta, pode-se tentar uma previsão do que há-de sair dali. Mas vaga. Porque para lá do solo ou da exposição há variáveis botânicas imprevisíveis de determinar. “Tenho vinhas da mesma casta e do mesmo clone [de videira] a 100 metros de distância e um não presta para nada e o outro é muito bom”, diz Miguel Louro. Ou seja, só a experiência pode determinar se aquele material genético fica bem numa determinada vinha ou se precisa de outras condições para mostrar o que vale. “O terroir marca tudo”, diz o produtor.

No “seu” terroir, não admira, fizeram-se e desfizeram-se ideias feitas sobre o que é o Alentejo. A Trincadeira, uma das castas emblemáticas da região, tem vindo a ser substituída pela Petit Verdot, pela Alicante Bouschet e, curiosamente, pela Aragonez, uma casta que já teve melhores dias entre os produtores alentejanos – no Douro, onde se chama Tinta Roriz, também está longe de ser consensual. Nas suas vinhas há também Alfrocheiro, Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Syrah. E uma variedade original de Tempranillho, uma casta espanhola da mesma filiação genética da Aragonez.

Com este potencial e com a sua propensão para vestir a pele de bad boy, Miguel Louro produz 9000 garrafas de vinho branco, em geral comprado a produtores da região, e 120 mil garrafas de vinho tinto. Com excepção do Vinha do Mouro, a sua marca de volume, todos os vinhos tintos passam por madeira. O Rótulo Dourado, a categoria mais alta das criações da casa, estagia em barricas novas durante dois anos. E, mesmo assim, quando chega ao mercado exibe contornos de um vinho musculado a exigir tempo para mostrar o que vale.

Este vinho teve edições seguidas entre 2007 e 2011. “Com um conhecimento melhor das vinhas conseguimos tirar mais partido do seu potencial”, diz Susete Buinho. Em 2011 foram produzidos cinco mil garrafas de Rótulo Dourado. “As pessoas sabem que tem muita procura e compram mal chega ao mercado. Esgota rapidamente”, acrescenta a técnica.

É com este lastro que Miguel Louro se pode dar ao luxo de ser o que é sem se preocupar em ser politicamente correcto. Faça o que fizer, diga o que disser, os seus vinhos têm uma legião de adeptos fiel e empenhada na sua causa – e atraída pela sua imagem. Fazer “erros” com a sua assinatura não é nada especial – é apenas mais uma pequena provocação de um criador de vinhos pouco dado a águas mansas. Se os seus Quinta do Mouro fossem fraquinhos, todo o seu discurso e toda a sua atitude perante o negócio ruiria. Como não são, a sua forma de estar até acrescenta charme aos Quinta do Mouro. Que estão, sem dúvida, não apenas entre os melhores vinhos do Alentejo mas também na lista mais estrita dos grandes vinhos tintos nacionais.

Quando Miguel Louro deu conta que, por falta de cuidado e de acompanhamento como mandam as regras, três barricas da vindima de 2013 estavam contaminadas com Brettanomyces, podia fazer o que a maioria dos produtores faz: ou diluir o erro num grande volume, ou destruir as provas de uma fugaz incompetência. Mas não. Miguel Louro optou por um combate para as salvar. “Os meus filhos diziam que aquilo ia contaminar tudo. Eu quero abrir-lhes a cabeça. Quero provar-lhes que não há verdades absolutas”, recorda o produtor.

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